terça-feira, 30 de setembro de 2008

O GRÃO DE MOSTARDA (Mt 13, 21 ss; Mc 4, 30 ss.; Lc 13, 18 ss.)

A APARENTE PEQUENEZ DA GRANDEZA DO ESPÍRITO

Na parábola do grão de mostarda focaliza o Mestre a aparente impotência da onipotência espiritual, quase sempre oculta pelas ilusórias grandezas das coisas materiais. Os nossos sentidos e o nosso intelecto não percebem numa semente senão os contenedores externos, e nada sabem do conteúdo interno, da vida invisível, que creou esses invólucros visíveis. O conteúdo vivo vivifica os contenedores mortos, mas o homem profano só enxerga os envoltórios vivificados e ignora o centro vivificante. O homem empírico-analítico nada sabe da Vida, só conhece os vivos, e, enquanto não entrar numa nova dimensão de consciência, nunca saberá o que é a Vida, que produz os vivos, o Creador que crea as creaturas, a Realidade que causa as facticidades.
A parábola do grão de mostarda é um convite para descobrirmos a Realidade da Vida em todas as facticidades vivas. A Vida é imanente em todos os vivos. A Vida não é algo justaposto aos vivos, mas é a sua alma, sua íntima essência, é o Uno que produz o Verso, formando o Universo.
A melhor palavra para designar Deus seria Vida. Em face da Vida não há ateus. A Vida é a Realidade universal do cosmos, que nunca foi negada por ninguém.
Deus não é algo transcendente ao mundo, ele, a Vida, é imanente ao mundo, como a Vida; Deus é a alma do Universo, e o Universo é o corpo de Deus, como dizia Spinoza.
Semelhantemente, o Reino de Deus no homem não é algo adicionado ao homem, algo como um artigo de luxo que o homem use de vez em quando, como enfeite festivo. “O Reino de Deus está dentro dos vivos; é a alma, essência e quintessência do homem. Nenhum vivo seria vivo se nele não estivesse a Vida, e se ele não estivesse na Vida. Todo o vivo pode dizer: Eu e a Vida somos Um; a Vida está em mim, e eu estou na Vida – mas a Vida é maior do que eu.
Deus é a Vida, e nós somos os vivos. Essencialmente, cada um de nós é Vida; existencialmente, somos vivos.
Quando os vivos se deixam penetrar totalmente pela Vida, então os próprios vivos, a princípio pequeninos como um grãozinho de semente, serão engrandecidos pela Vida, e os vivos pequenos serão a tal ponto beneficiados pela Vida que se tornarão vivos grandes. O maior benefício que o vivo pode fazer a si mesmo é deixar-se penetrar pela Vida. A Vida é o maior benfeitor do ego humano, embora este, na sua ignorância, muitas vezes seja inimigo do Eu. Neste sentido diz Krishna na Bhagavad Gita: “O Eu é o maior amigo do ego, embora o ego seja o pior inimigo do Eu”. E o próprio Cristo, no Evangelho, afirma: "Quem quiser salvar a sua vida (ego), perdê-la-á; mas, quem perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho (Eu) salvá-la-á".
O maior benefício que o ego humano pode fazer a si mesmo é entregar-se e integrar-se totalmente no Eu divino; e o maior malefício que o ego humano pode fazer a si mesmo é isolar-se em si mesmo e resistir à sua integração no Eu divino.
O ego que não se integra no Eu se desintegra. O ego que tenta realizar-se sem o Eu se desrealiza. Mas o ego que se integra no Eu, que integra o seu pequeno finito no grande Infinito, esse eterniza o próprio ego, graças à sua integração no Eterno.
E, quando o ego humano se integra voluntariamente no Eu divino, pela mística do primeiro e maior de todos os mandamentos, então não somente se beneficia a si mesmo, mas torna-se benfeitor também de outros egos humanos, pela ética do segundo mandamento, amando o seu próximo como a si mesmo. Por isso, diz o Mestre que as aves do espaço fazem os seus ninhos nos ramos da mostardeira – outros homens encontram refúgio e refrigério no homem que se refugiou e realizou em Deus, que atingiu a sua maturidade e plenitude no Infinito.
Para fazer bem aos outros é necessário ser bom em si mesmo. Quem não é bom não pode fazer bem. Para ser benfeitor alheio é necessário o homem ser auto-realizado ele próprio. É esta a inexorável matematicidade da mística.
É uma velha e funesta ilusão querer fazer bem aos outros sem ser bom em si mesmo. A ética sem a mística é uma pseudo-ética, uma funesta utopia; pode ser que seja moralidade, altruísmo, filantropia, mas não é verdadeira ética, que é sempre um transbordamento espontâneo da mística. A consciência da paternidade única de Deus transborda irresistivelmente na vivência da fraternidade universal dos homens – e só isto é ética genuína e verdadeira.
No Oriente, há uma espécie de mostardeira que chega a dar uma árvore de alguns metros de altura, oferecendo guarida às aves, como diz a parábola.
O homem, quando plenamente desenvolvido no seu ser-bom místico, é sempre um benfeitor no seu fazer-bem ético, muitas vezes sem o saber.
Ser bom não é ser bonzinho, menos ainda ser bombonzinho. Muitas vezes ser bom parece até ser mau; por vezes o nosso ser-bom exige rigor, disciplina, aparente crueldade. Quem permite passivamente todos os abusos ao redor de si, sob pretexto de ser bom, não é bom. Ser bom é ser intransigente amigo da verdade, de retitude, da justiça, da ordem e disciplina.
Quando Jesus expulsou os vendilhões do templo revelou-se um homem realmente bom.
Nós, quando agimos com severidade e rigor, agimos muitas vezes em defesa do nosso ego humano, ofendido, e isto não é ser bom. Mas, quando age com rigor e severidade em defesa de uma causa sagrada, esse é realmente bom, talvez cruelmente bom, embora os homens mundanos o tachem de mau.
O homem realmente bom deve ter a coragem de ser considerado mau por aqueles que não são bons. Ser bem-bom é, muitas vezes, o contrário de ser bom.
O homem realmente bom é o maior benfeitor da humanidade. Homens realmente bons, auto-realizados, irradiam poderosas auras, mesmo que ninguém saiba da sua existência. Um homem que chegou a plenitude do amor, dizia Gandhi, neutraliza o ódio de muitos milhões.
Na parábola do grão de mostarda, focaliza o Mestre, mais uma vez, os dois mandamentos da mística revelada em ética, “nos quais estão toda a lei e os profetas”, nos quais está toda a religiosidade, toda a auto-realização do homem.
Um átomo de metafísica produz um mundo de física.
Se a vida do grão de mostarda eclodir na vitalidade da planta e beneficiar outros homens, então o Reino de Deus será proclamado sobre a face da terra, e haverá um novo céu – e também uma nova terra.