terça-feira, 30 de setembro de 2008

MALDIÇÃO DA FIGUEIRA ESTÉRIL (Mt 21, 18 ss.; Mc 11, 12 ss.)

O HOMEM DEVE SER ESPIRITUALMENTE FECUNDO, MESMO EM AMBIENTE DESFAVORÁVEL

Esta parábola, a par das do administrador desonesto e dos trabalhadores na vinha, têm causado desapontamento, e até revolta, a muitos leitores.
É que toda a parábola é incompreensível e paradoxal quando visualizada da perspectiva da inteligência unilateralmente analítica, em que se encontra o grosso da humanidade. As parábolas nasceram de uma intuição espiritual, e somente dessa altura é que podem ser realmente compreendidas.
Tentemos compreender o sentido real das palavras do Mestre: a maldição da figueira estéril.
O texto, referido por Mateus e Marcos é bem conhecido: Certo dia, passava Jesus com seus discípulos por uma figueira à beira da estrada e aproximou-se dela para procurar frutos, porque estava com fome. Mas não encontrou fruto algum, pois, diz o texto, não era tempo de figos. A figueira cultivada produz figos na primavera ou no verão; no outono e no inverno perde as folhas e não produz frutos.
Jesus, vendo que a figueira estava cheia de folhas, esperava que tivesse frutos; mas não encontrou nada, porque não era tempo de figos; e ele disse: “Nunca mais ninguém coma fruto de ti”.
No mesmo instante, a figueira começou a murchar.
No dia seguinte, passaram Jesus e seus discípulos pela mesma estrada, e os discípulos vendo a figueira seca exclamaram: “Olha, Mestre, como ela secou depressa!”
Que sujeito atrabiliário esse Jesus! Dirá qualquer profano, sobretudo o profano erudito. Vingar-se de uma figueira inocente pelo fato de ela não ter produzido fruto, quando, segundo as leis da natureza, que são as leis de Deus, nem podia produzir fruto.
A figueira da parábola, que simboliza o homem, tinha folhagem sem fruto, sinal de que não era fiel à sua natureza. Toda a figueira, quando não tem fruto, também não tem folhas. No inverno ela está sem fruto nem folhas.
Na natureza extra-hominal, não ocorre semelhante fenômeno, uma vez que as leis da natureza são automáticas e obedecem instintivamente à ordem da Inteligência Cósmica. Na natureza humana, porém, pode acontecer esse paradoxo: muita folhagem sem fruto algum, muitas exterioridades, sem nenhuma interioridade.
Sendo que o símbolo espiritual da parábola visa ao homem, segue-se que o Mestre se refere a um ser humano fecundo nas coisas do ego externo e infecundo no seu Eu interno. A maldição não se refere, portanto, ao símbolo material da figueira física, mas sim ao simbolizado espiritual da figueira metafísica, ao homem espiritualmente estéril.
O filósofo inglês Bertrand Russell, no seu livro Porque não sou cristão, não compreendeu esse sentido místico da parábola, e por isto censura Jesus por ter amaldiçoado uma planta inocente.
Esse desapontamento do homem profano é compreensível. Mas, o erro está precisamente nesse plano da sua ignorância. A parábola parte do plano material, e vai ao plano espiritual. É evidente que, no plano material do símbolo, a figueira não tinha outra alternativa a não ser a de infecundidade. Neste plano, e somente neste plano, não há nenhuma culpa nem lhe cabe maldição alguma; ela fez o que podia fazer segundo as leis de Deus.
Bem diferente, como já dissemos, é o caso no plano espiritual do simbolizado, único plano que faculta uma compreensão verdadeira.
O homem dotado de livre arbítrio não tem apenas uma possibilidade de ser frutífero em condições favoráveis; pode ser frutífero também em circunstâncias desfavoráveis. O homem, graças ao seu livre arbítrio, transcende as leis automáticas da natureza; pode produzir frutos bons tanto em tempo propício,quando rodeado de circunstâncias favoráveis – como também em tempo desfavorável, quando cercado de circunstâncias adversas, mesmo quando parece ser impossível ser bom.
O homem não é necessariamente o produto do meio em que vive, e, se o é, prova ser derrotado pelas circunstâncias. Quem é bom em tempo bom é precariamente bom – mas quem é bom em tempo mau, esse é heroicamente bom. Quem produz frutos quando é tempo de frutos, é um homem virtuoso – mas quem produz frutos quando, segundo as circunstâncias, não é tempo de frutos, esse é um homem sábio, um homem perfeito, um homem crístico. Ser bom com os bons é fácil. Ser bom no meio dos maus é difícil. “O Reino dos Céus sofre violência – e somente os que usam de violência o tomam de assalto”.
Os grandes Mestres espirituais da humanidade, sobretudo o Cristo, não simpatizam muito com certos virtuosos, que são bons no meio dos bons: mas sim com os heróis da sapiência, que são bons no meio de maus, puros entre impuros, livres no meio de escravos, luz no meio de trevas.
A alma da parábola é, repetimos, o simbolizado espiritual, e não apenas o símbolo material. No plano do simbolizado espiritual existe sempre a possibilidade de produzir fruto fora da estação, a despeito das adversidades da natureza e da perversidade dos homens. Se o Reino dos Céus fosse a querência dos que frutificam em tempo propício e fácil, já estaria o céu povoado de covardes e comodistas. Mas o céu verdadeiro, que está dentro de cada homem, não é para os comodistas, os covardes, os medíocres, os passeadores em largas avenidas; o Reino dos Céus sofre violência, e somente os fazedores de violência contra si mesmos o tomam de assalto, como uma fortaleza aparentemente inexpugnável.
A parábola frisa a necessidade que o homem realmente espiritual tem de se emancipar da tirania das circunstâncias humanas e proclamar a soberania da sua substância divina.
No fim, acrescenta Jesus que, quem tem fé, isto é, fides, fidelidade, sintonia perfeita com o mundo da realidade divina, esse fará mais do que ele fez com a figueira, fazendo-a secar imediatamente; esse homem poderá até transportar montanhas pelo poder do espírito. “Tudo é possível àquele que tem fé”; ao homem que está realmente identificado com a alma do Universo, cuja onipotência é partilhada pelo homem sintonizado com a alma da Divindade.
Esse homem poderá até produzir frutos no meio de circunstâncias adversas.