terça-feira, 30 de setembro de 2008

A VIDEIRA E OS SEUS RAMOS (João 15, 1 ss.)

A VITALIDADE DO CRISTO FLUI ATRAVÉS DAS ALMAS CRISTIFICADAS

Esta parábola focaliza alguns aspectos profundamente místicos, que só os verdadeiros iniciados compreenderão devidamente.
Acima de tudo, afirma a presença do Cristo interno no ser humano. Quem identifica a entidade cósmica do Cristo com a personalidade de Jesus, não pode aceitar a presença do Cristo em cada homem.
“Eu estou em vós, e vós estais em mim” – estas palavras são totalmente enigmáticas a quem só conhece o Jesus histórico do 1º século, que viveu na Palestina, e nada sabe do Cristo cósmico, que está conosco todos os dias até a consumação dos séculos.
O Verbo se fez carne, diz o 4º Evangelho, e fez habitação em nós. Tanto o texto grego do 1º século, como também a tradução latina, dizem “em nós” (em hemin, in nobis); nenhum texto diz “entre nós”. Se o Verbo, o Cristo cósmico, depois da encarnação em Jesus de Nazaré, fez habitação em nós, então agora habita em cada um de nós. O Cristo cósmico, que se revestia da natureza humana de Jesus, e depois da ressurreição cosmificou e cristificou esse Jesus, universalizou-se na forma do Jesus cosmificado. E, nesse estado, o Cristo habita em cada um de nós.
Sem a compreensão desta “inabitação” do Cristo no homem, é incompreensível toda a parábola da videira e seus ramos, que frisa a identidade da vida uma e única no tronco da videira (Cristo) e em seus ramos (homens).
Depois de afirmar esta identidade da vida do Cristo e de cada homem, a parábola apresenta duas modalidades dessa vivência dos ramos na videira: um ramo da videira pode ser estéril, apesar de estar na videira – e um ramo pode ser frutífero: “Quem estando em mim, não produzir fruto..., quem, estando em mim, produzir fruto...”.
Quer dizer que um homem pode estar externamente no Cristo, sem ser internamente do Cristo; um homem pode ser cristão, sem ser crístico; um homem pode ser nominalmente do Cristo, sem viver realmente de acordo com o espírito do Cristo; pode ser espiritualmente estéril, apesar de ser ritualmente cristão.
Há cerca de um bilhão de cristãos no mundo – e quantos deles serão crísticos?
“Quem estando em mim, não produzir fruto, será cortado e lançado fora para ser queimado”.
Com estas palavras afirma o Evangelho, mais uma vez, a possibilidade da extinção da individualidade humana, se não for cristificada. A alma humana não é imortal, mas imortalizável; a imortalidade potencial faz parte da natureza humana, é um presente de berço, mas a imortalidade atual é uma conquista da consciência. O homem, mesmo cristão, mas não cristificado, sucumbirá à “morte eterna”, a total extinção, no fim do seu ciclo evolutivo.
Por fim, a parábola descreve a sorte do ramo da videira frutífero, isto é, do homem que, estando no Cristo, produz fruto de vivência crística. E o que a parábola diz desse homem é, à primeira vista, aterrador: o homem de frutificação crística “será podado a fim de produzir fruto mais abundante”.
A poda (em latim purificatio, em grego katharsis) consiste em cortar a maior parte do ramo da videira, deixando apenas uma pequena parte, com o fim de fazer concentrar nessa parte toda a seiva vital da planta e, na primavera, fazê-la produzir fruto mais abundante. A poda, ou purificação, é uma espécie de sofrimento. Todo o viticultor sabe que um ramo de videira, quando podado, “chora” durante algum tempo, fazendo pingar no chão suas “lágrimas”, a seiva que sai do ferimento. Sem essa dolorosa catarse, não há frutificação abundante.
O sofrimento purificador a que, segundo a parábola, é sujeito o homem cristicamente frutífero, não é uma punição, não é um sofrimento-débito, mas sim um sofrimento-crédito; o sofredor não sofre para pagar débito, próprio ou alheio; sofre para aumentar o seu crédito.
Na Sagrada Escritura ocorrem diversos casos de sofrimento-crédito.
Job sofre, não por ser pecador, mas para aumentar a sua santidade.
O cego de nascença nasceu cego, não por pecados próprios, nem por pecados de sus pais, mas para que nele se manifestassem as obras de Deus, para que aumentasse o seu crédito espiritual.
Jesus, redivivo, declara aos discípulos de Emaús, escandalizados com o sofrimento de um justo, que ele devia sofrer tudo isto para assim entrar em sua glória, para promover a evolução espiritual do seu Jesus humano.
Os nossos teólogos teriam respondido que Jesus sofreu para salvar a humanidade, como é tradição rotineira há quase 2000 anos; o Mestre, porém, declara aos discípulos de Emaús que ele sofreu tudo isso “para entrar em sua glória”, para consumar a sua própria evolução crística, de acordo com aquilo que dissera no Gólgota, “está consumado”; não se referia à redenção da humanidade coletiva, mas sim à cristificação total da humanidade individual do seu Jesus humano.
Em todos esses casos, há sofrimento-crédito.
Na parábola da videira, reaparece esse mesmo sofrimento-crédito: o homem que produz fruto é sujeito a um sofrimento purificador para que produza fruto ainda mais abundante.
As leis cósmicas têm caráter nitidamente evolutivo, ascensional. Quem é bom deve tornar-se melhor, a fim de culminar no ótimo. Por outro lado, o mau que se recusa a tornar-se bom, se tornará pior, até baixar a ser péssimo – e o péssimo acaba no zero da extinção. As leis cósmicas não estão interessadas em perpetuar estagnação, nem descer à involução, as leis cósmicas exigem imperiosamente evolução ascensional. Quem não progride regride, e a regressão acaba no nadir da morte eterna, assim como a evolução culmina no zênite da vida eterna.
Deus é a lei cósmica. Nele não há sentimentalismos piegas. Quem não se realiza se desrealiza; quem não se integra no Infinito se desintegra.
“Quem não produzir fruto será cortado e lançado fora – quem produzir fruto será purificado para que produza fruto mais abundante”.
Esta parábola revela o monismo absoluto da realidade divino-crística. O Uno se revela como Verso em todo Universo. Na natureza infra-hominal, o Verso das creaturas é automaticamente governado pelo Uno do Creador; no ser humano, porém, mercê do livre arbítrio, a consciência da presença de Deus pode ser intensificada – e pode também ser debilitada; o homem pode crear em si a pleni-consciência da presença de Deus, como aconteceu em Jesus – e pode também obliterar totalmente a consciência dessa presença, como talvez tenha acontecido na alma de Judas Iscariotes.
O uso ou abuso do livre arbítrio, como se vê, é responsável pelo bem ou pelo mal que o homem fizer.