terça-feira, 30 de setembro de 2008

CAPRICHOS PUERIS (Mt 11, 16 ss.; Lc 7, 31 ss.)

O HOMEM SAPIENTE NÃO É AFETADO PELA OPINIÃO PÚBLICA

Certo dia ouviu Jesus murmurações e fofocas em redor de si; eram dois grupos de descontentes que altercavam entre si: os rigoristas e os laxistas.
Os rigoristas diziam: João Batista, esse sim, é um santo de verdade; vive em rigorosas austeridades, alimentando-se de mel silvestre e das vagens da árvore do gafanhoto; mas esse tal profeta de Nazaré é amigo de boas iguarias e de vinhos capitosos; aceita até convites a banquetes de publicanos e pecadores.
Os laxistas, por outro lado, exultavam e diziam: Esse Jesus, sim, é um santo moderno; come e bebe como nós; vive em plena sociedade; não mora no deserto nem é possesso do mau espírito da clautrofilia, como esse mergulhador João.
Houve veemente discussão entre os fariseus rigoristas e os saduceus laxistas sobre a pessoa do Nazareno e seu modus vivendi.
Jesus, ouvindo dessa dissensão, respondeu-lhes com uma parábola que tanto tem de hilariante quanto de espirituoso. Disse-lhes: Com que hei de comparar essa gente? São como crianças sentadas em praça pública, formando dois partidos: o dos dançarinos folgazões e dos choramingueiros tristonhos. Uns dizem: A flauta vos tocamos – e não bailastes. Os outros se queixavam: Cânticos tristes tangemos – e não chorastes. Veio João, que não comia nem bebia, e dissestes: Está possesso do demônio! Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: Eis aí um comilão e bebedor de vinho!
Esta parábola faz lembrar a história do velho, do menino e do burro, e tantas outras parábolas de Esopo, de La Fontaine e de outros narradores.
Não é possível contentar a todos. Quando alguém leva vida austera de asceta, descontenta os laxistas; quando leva vida normalmente humana, irrita os rigoristas.
E conclui o Mestre com umas palavras um tanto enigmáticas: “Entretanto, a sabedoria é justificada por seus filhos”. Outro evangelista diz: “A sabedoria é justificada por suas obras”.
Por que esta divergência de opiniões?
É que todo o modo de pensar dos profanos, dos intelectualistas analíticos, é como linhas divergentes, que não se encontram umas às outras, ao passo que a intuição espiritual dos sábios assemelha-se a linhas paralelas, que, segundo a geometria, se encontram somente no Infinito; ou até a linhas convergentes, que se encontram mesmo no finito. Quando o sábio intui a Verdade e age de acordo com a sua intuição, raras vezes é compreendido pelos eruditos intelectualistas, porque estes operam em outra dimensão. A zero-dimensão do sábio não pode ser compreendida pelos analíticos, que vivem na segunda ou terceira dimensão do profano. O ego é invariavelmente tri-dimensional; age de acordo com sua natureza físico-mental-emocional; age segundo as categorias de tempo-espaço-casualidade. O ego é como um prisma triédrico, que dispersa a luz incolor da Verdade única na faixa multicor das facticidades, que não harmonizam umas com as outras; o verde não aprova o vermelho, o azul não se concilia com o amarelo. A luz incolor da Verdade não briga com as cores, mas estas brigam entre si. Ou, na frase genial da Bhagavad Gita: “O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego”.
A sabedoria da Verdade não luta com a erudição das ilusões – mas essas lutam com aquela e lutam entre si.
O tolo não compreende o sábio – mas o sábio compreende o tolo.
Os egos insipientes discordam do Eu sapiente – mas o Eu sapiente compreende os egos insipientes.
O homem profano gosta de comer e beber bem, e abusa dos prazeres da vida.
O homem místico recusa estas satisfações e só vive em Deus.
O homem cósmico, porém, não abusa, como o profano, nem recusa, como o místico; mas usa simplesmente os bens da vida, porque os considera como meios, mas nunca como fins em si mesmos.
Quem abusa, considera os bens da vida como fim supremo. Quem recusa, não os considera nem como fim nem como meio. Quem usa os bens da vida não os considera como um fim, mas sim como meios para conseguir um fim superior.
A verdadeira sabedoria é justificada por seus filhos, em suas obras.
Evidentemente, o divino Mestre não era um místico, ao menos não nos três anos da sua vida pública; muito menos ainda era um profano; mas era um homem cósmico. Não abusava, nem recusava, mas usava.
E por esta razão não era compreendido nem pelos profanos nem pelos supostos místicos do seu tempo.