segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O SEMEADOR (Mt 13, 3 ss.; Mc 4, 3 ss.; Lc 8, 5 ss.)

É NECESSÁRIO SEMEAR A VERDADE E O BEM, SEJA QUAL FOR O RESULTADO

A parábola do semeador é, sem dúvida, a mais popular de todas as parábolas de Jesus – e é também uma das poucas da qual o próprio Mestre deu explicação, a pedido de seus discípulos.
Em face disto, não nos compete tecer comentários elucidativos. Em vez disto, vamos chamar a atenção para certos aspectos da parábola que não foram explicados.
Se a semente é a palavra de Deus, e o semeador é o Filho do Homem, o próprio Cristo, como ele afirma, não é estranho que o mais sábio dos semeadores da melhor das sementes não tenha escolhido terrenos melhores para sua semeadura?
A julgar pelo texto do Evangelho, 75% das sementes estavam perdidos desde o início, e apenas 25% deram algum fruto – e mesmo este muito desigual; uma parte da semente deu 30, outra parte 60, e apenas uma pequena parcela deu 100 por um.
A semente que foi lançada à beira do caminho, nem sequer germinou; foi logo calcada pelos transeuntes, e as aves a comeram. Em Mateus essas aves significam o mau; em Marcos são o diabo; em Lucas é satanás – mas em todos os três evangelistas, referem-se ao ego humano, que, no Evangelho, é constantemente identificado com o mau, o diabo, satanás.
A semente que caiu ao meio do pedregulho e dos espinhos brotou, talvez floresceu, mas não frutificou, por falta de umidade e de luz suficientes.
Somente a última parte caiu em terra boa e produziu fruto, embora desigual.
Se dividirmos em parcelas iguais essas quatro partes, podemos admitir que ¾ partes tenham sido inutilizadas desde o início. Não sabia o semeador que assim aconteceria? E por que não escolheu melhor os seus terrenos?
Se o mais importante da parábola fosse o símbolo material, deveríamos tachar de imprudente o semeador pelo fato de lançar 75% da semente em terreno improdutivo.
Entretanto, o mais importante é o simbolizado espiritual, e o terreno não é o chão material, e sim o terreno da alma humana. A terra não tem liberdade e não é culpada pelo insucesso do crescimento e da frutificação. Na agronomia física, o procedimento de semelhante agrônomo seria imperdoável.
Mas a parábola trata de uma agronomia metafísica, trata do terreno imprevisível do livre arbítrio humano, onde nenhum semeador, nem mesmo o próprio Cristo, pode saber do resultado da sua semeadura. Se assim não fosse, por que teria Jesus escolhido Judas Iscariotes para seu apóstolo, sabendo da sua esterilidade espiritual?
Em se tratando do terreno do livre arbítrio humano, o procedimento do semeador do Evangelho é compreensível, e não podia ser outro. A melhor das sementes lançada pelo melhor dos semeadores pode ser totalmente frustrada. A liberdade humana pode reduzir a zero qualquer obra de Deus – não nos macrocosmo mundial, mas no microcosmo hominal. O destino cósmico obedece infalivelmente ao plano de Deus; nenhum ser hominal, angelical ou diabólico pode frustrar um átomo sequer do plano cósmico de Deus.
Totalmente diferente, porém, é o destino humano, que obedece ao livre arbítrio do homem. E onde há liberdade creatural termina, por assim dizer, a jurisdição divina.
A parábola trata exclusivamente da zona do livre arbítrio humano. E nesta zona o resultado da semeadura depende causalmente do homem. No terreno do livre arbítrio, o homem é Deus – e é também anti-Deus; é ele, e só ele, que determina o seu destino, como, aliás, também evidencia a história do joio no meio do trigo: o joio teve plena liberdade de ser joio até o fim, mas o resultado final da evolução foi a sua auto-extinção.
As leis cósmicas, ou divinas, respeitam a liberdade tanto dos bons como dos maus – mas o destino final é diametralmente oposto, como opostas são a vida eterna e a morte eterna.
Quem harmoniza livremente com a alma do cosmos, que é Deus, participa individualmente da própria eternidade universal da alma do Universo e quem se opõe livremente às leis cósmicas se exclui livremente da eternidade da alma do Universo, aniquilando-se, nulificando-se, reduzindo-se ao Nada existencial.
Pelo livre arbítrio participa o homem do Infinito positivo, do TODO – ou então do Infinito negativo, do NADA. Um ser livre pode integrar-se existencialmente no TODO – e pode também desintegrar-se no NADA existencial. Verdade é que o Nada da existência é o Todo da essência, mas não deixa de ser o Nada individual da creatura. Nenhuma creatura pode ser reduzida ao Nada da essência, mas sim ao Nada da existência individual, como são todas as creaturas da natureza. A imortalidade é a permanência do homem na existência individual, ao passo que as creaturas mortais da natureza, quando morrem, perdem a sua existência individual e recaem na essência Universal.
Todo o homem é potencialmente imortal (imortalizável), e pode tornar-se atualmente imortal (imortalizado). A imortalidade atual – bem como a liberdade atual – são uma conquista da consciência, mas não um presente de berço.
A parábola do semeador, a par das do joio e dos talentos, são apoteoses do livre arbítrio humano e da creatividade desse livre arbítrio. Certos cientistas modernos negam a liberdade humana, que tacham de “mito” ou ilusão. Quase todos eles se baseiam em experiências de laboratório. Esquecem-se, porém, de que a imensa maioria da humanidade não conquistou liberdade atual, mas possui apenas liberdade potencial. Provavelmente, todas as cobaias que passaram por seus laboratórios e foram submetidas aos testes pelos cientistas, não eram atualmente livres, e a conclusão generalizada referente à não-liberdade do homem em geral é fundamentalmente errônea. Se a vida de um Buda, de um Cristo ou de um Gandhi tivessem sido testadas, bem diferente teria sido o resultado apurado por esses cientistas superficiais.
Um homem normal e adulto que não atualizou a sua liberdade potencial é culpado, porque, quem pode deve, e quem pode e deve e não faz crea débito, culpabilidade. Se um homem normal e adulto não é livre, é ele culpado dessa falta de liberdade – e toda a culpa gera sofrimento. O mal é o eco da maldade, é a reação das leis cósmicas contra a maldade humana.
Os três terrenos humanos da parábola que frustraram a frutificação da semente de Deus eram culpados dessa nulificação, como, aliás, o próprio Jesus faz ver na explicação que, a pedido de seus discípulos, deu dessa parábola.
As três classes de obstáculos enumerados por Jesus, que frustraram a frutificação da semente se referem todos ao ego humano; o homem-ego abusou do seu livre arbítrio, não o desenvolveu até à maturidade do seu Eu espiritual, e por isto a semente da palavra de Deus não frutificou. Como já dissemos, esse ego é chamado o mau, o diabo, satanás.
Apenas uma pequena parte da semente produziu fruto total, porque apenas uma diminuta parcela da humanidade chegou à plena maturidade do seu livre arbítrio, oferecendo terreno ideal para a frutificação da semente divina.
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Suponhamos que a frustração da semeadura, em vez de ¾, fosse total, tivesse acabado em 0 – será que o semeador teria continuado a semeadura?
Existe na filosofia oriental uma palavra sânscrita chamada falasanga, que quer dizer “mania de resultados”. Todo homem ego sofre dessa mania: só trabalha por amor a algum resultado palpável. Trabalhador sem esperança de resultado, é para o ego pura estupidez e absurdidade. Alguns, é verdade, não esperam resultados materiais, dinheiro, propriedade, etc., mas esperam resultados de caráter social, mental ou emocional, como aplausos, reconhecimento, gratidão, um nome de benfeitor no jornal, na rádio, na televisão, ou perpetuação da sua beneficência em forma de um monumento, duma placa comemorativa, duma inscrição. Outros egoístas, altamente sublimados, não esperam nada disto no mundo presente, mas trabalham na certeza de que, no outro mundo sejam recompensados por Deus em forma de eterna glória e felicidade. Quase todos os homens virtuosos fazem esta negociata com Deus.
Todos eles são egoístas, todos praticam falasanga, terrestre ou celeste; os mais avançados esperam recompensa após-morte.
Somente o homem capaz de semear o bem sem nenhuma segunda intenção, sem especular com retribuição alguma, nem antes nem depois da morte – esse somente deixou de ser egoísta, seria totalmente liberto das tiranias do ego, manifestas ou camufladas.
A parábola do semeador tende a conduzir o homem a essa libertação total, a semear a semente da Verdade e do Bem sem a menor esperança de assistir a uma festa de colheita.
Mas, se a semeadura falhar 100%, que finalidade teria ainda esse trabalho?
Em primeiro lugar, teria a finalidade suprema de uma completa auto-realização, que vale mais que todo o Universo, porque um único valor vale mais que todos os fatos, um átomo de qualidade eclipsa mundos inteiros de quantidade.
Além desse valor supremo da auto-realização do próprio semeador, liberto de qualquer egoísmo, essa atitude transbordaria energias imensas para outros seres, porquanto nenhuma energia se perde, todas as energias se transformam. Esta lei física da “constância das energias” vale também para a metafísica. O modo ideal de fazer bem à humanidade consiste em ser bom, isto é, plenamente liberto de qualquer resquício de egoidade e egoísmo.
A parábola do semeador convida o homem a ser incondicionalmente bom, a semear a Verdade e o Bem sem nenhuma segunda intenção de obter resultados objetivos. Basta-lhe a consciência de ter cumprido o seu dever de auto-realização ou aperfeiçoamento da sua substância divina.