segunda-feira, 29 de setembro de 2008

REMENDO NOVO EM ROUPA VELHA - VINHO NOVO EM ODRES VELHOS (Mt 9, 16 ss.)

O HOMEM DEVE AGIR POR CONVICÇÃO INTERNA, E NÃO APENAS POR CONVENÇÕES EXTERNAS

Certo dia, os zeladores da lei mosaica incriminaram Jesus e seus discípulos pelo fato de não jejuarem em dia prescrito pelas usanças da Sinagoga. E o Mestre lhes replicou por meio duma parábola corriqueiramente genial, dizendo:
“Ninguém põe remendo novo em roupa velha, porque o remendo de pano novo, contraindo-se, arrancaria parte da roupa velha, e ficaria pior o rasgão”.
Esta parábola, como a do fermento, é, certamente, uma reminiscência da modesta casinha de Nazaré, onde Jesus passou a sua juventude; a referência ao remendo novo em roupa velha faz lembrar a cestinha de costuras de Maria, quando remendava a roupa de trabalho de José. Ela não usava um pedaço de tecido cru, ainda não lavado, para consertar um rasgão em roupa velha, já poída pelo uso, porque o pano novo encolheria depois, alargando o rasgão da roupa velha. Para consertar roupa velha convém usar pano velho.
A mensagem do Nazareno é algo como veste nova, ao passo que as tradições da Sinagoga, que mandam jejuar em tal e tal dia do calendário vigente, são roupa velha; ele e seus discípulos jejuarão, certamente, não por motivos externos de tradições humanas, mas por algum impulso interno.
E, para reforçar esta mesma idéia,Jesus acrescenta outra comparação, que lembra o bazar de algum negociante de vinhos, num dos becos da cidadezinha de Nazaré:
“Ninguém deita vinho novo em odres velhos, porque o vinho novo (fermentando) rompe os odres velhos, e perdem-se tanto os odres como o vinho; vinho novo se deita em odres novos”.
O vinho novo da mensagem do Cristo não cabe nos odres velhos das usanças da Sinagoga, mas deve crear seus veículos próprios.
Um homem genial pode recorrer a comparações triviais, sem medo de amesquinhar sua genialidade – ao passo que um homem de talento medíocre deve evitar meticulosamente comparações vulgares, a fim de não se desacreditar.
Até hoje, é costume no Oriente Médio guardar e transportar vinho e outros líquidos em odres feitos de pele de animal.
Com estas duas comparações responde Jesus espirituosamente à incriminação dos adeptos da lei mosaica escandalizados com a não-observância do jejum ritual em dias prescritos pelo calendário da Sinagoga. Com isto põe ele o espírito da lei acima da letra da lei; Jesus não é contra a prática do jejum, mas faz ver que o verdadeiro motivo da abstinência não reside em alguma convenção externa, mas deve nascer da convicção interna. Os seus discípulos também jejuarão “quando lhes for tirado o Esposo”, quando se sentirem espiritualmente desolados, sem a consciência da presença do Cristo interno; então, para reaverem a consciência da plenitude espiritual, recorrerão ao jejum, mas não por estar prescrito, preto sobre branco, em algum pedaço de papel.
Estas palavras do Mestre nos põem em face da momentosa pergunta: Que relação existe entre a vacuidade do estômago e a plenitude do espírito?
O cristianismo dos nossos dias revela, geralmente, estranha incompreensão em face do jejum. Uns consideram essa prática como relíquia obsoleta de superstição medieval; outros vêem no jejum uma tentativa de comover Deus para nos perdoar os pecados em face dessa mortificação.
Entretanto, em todos os tempos e países, dentro e fora do cristianismo, foi praticado o jejum, não só por motivos materiais e terapêuticos, mas, sobretudo, por razões de caráter espiritual.
Jesus afirma que certa espécie de espíritos maus só se expulsa à força de jejum e oração. Ele mesmo jejuou durante 40 dias no deserto.
No cristianismo dos primeiros séculos era praticado assiduamente o jejum com oração. Antes de mandarem aos países pagãos os primeiros missionários o Barnabé e Saulo, referem os “Atos dos Apóstolos”, estabeleceram os chefes espirituais um período de jejum e oração – e o Espírito Santo lhes revelou a quem deviam mandar.
Médicos e terapeutas modernos recomendam o jejum controlado para fins de saúde. Os próprios animais, quando doentes, praticam jejum e abstinência para se curarem.
Entretanto a questão precípua para nós é saber qual a relação secreta que vigora entre jejum e espiritualidade. Que é que a vacuidade estomacal tem que ver com a plenitude espiritual?
Um dos campeões do jejum no nosso século foi Mahatma Gandhi. Quando esse chefe religioso e político da Índia realizava longos períodos de jejum, diziam certos ignorantes eruditos da nossa imprensa que Gandhi ameaçava suicidar-se, caso os ingleses invasores e os hindus rebeldes não obedecessem às suas ordens – este absurdo se atribuía a um homem da mais intransigência ahimsa (não-violência), que nem sequer admitia a matança de um animal. Gandhi, graças à sua profunda intuição conhecia outras bases para o seu jejum, como fiz ver no meu livro “Mahatma Gandhi”.
Tentemos descobrir a secreta relação entre jejum e espiritualidade.
As calorias extraídas dos alimentos ingeridos e assimilados podem ser submetidas a uma elaboração e potencialização ulterior e utilizadas para fins superiores, suposto que sejam cumpridas duas condições:
1 – a suspensão de novas calorias provindas da digestão (jejum);
2 – a sujeição das calorias antigas ao impacto de um poder superior (orações).
Todos os Mestres recomendam “jejum com oração”, porque sabem que não é o simples fato físico do jejum que resolve o problema, mas sim a abstenção de alimentos mais o impacto do espírito, que se chama oração ou meditação. Jesus passou 40 dias no deserto em “oração e jejum”.
Segundo a nossa física, nenhuma energia se perde, mas todas as energias são constantes e se transformam umas em outras: “Nada se crea, nada se aniquila, tudo se transforma” (Lavoisier).
E por que não aplicaríamos à metafísica esta lei física? Porque não valeria no mundo supra-material essa lei da constância das energias materiais?
Abster-se voluntariamente da ingestão de alimentos exige grande voltagem espiritual. O homem material obedece tiranicamente às exigências estomacais; para se opor a essa tirania material pela soberania espiritual, requer-se uma intensificação desta soberania espiritual, que reside no livre arbítrio. Necessidade e liberdade estão em pólos diametralmente opostos. A liberdade cresce na razão direta que a necessidade decresce. O espírito pode impor-se à matéria; pode reduzir a 50% os 100% das tiranias do corpo; e os 50% de redução material podem ser utilizados para fins espirituais.
Quando as calorias, já existentes no corpo, são submetidas a um impacto espiritual (oração, meditação), essas calorias passam por uma progressiva intensificação e sublimação; a quantidade se transforma em qualidade; a amperagem se dinamiza em voltagem. O nosso espírito tem um poder creador; espiritualiza o material.
“Jejum com oração” é um processo rigorosamente científico, ultracientífico; é a lei da constância e transformação das energias. Em última análise as leis da física são as leis da metafísica, apenas com a diferença de que estas são aplicadas num nível superior, numa nova dimensão.
O livre arbítrio é um poder creador e transformador.
Jesus e todos os Mestres espirituais conheciam e usavam esse poder, que deve nascer de dentro do centro espiritual do homem.