quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A SABEDORIA DAS PARÁBOLAS

"Os textos das parábolas que aqui compartilho, são de autoria do filósofo e educador Huberto Rohden, por quem tenho profundo respeito e admiração".

Advertência

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento.
Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência.
O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.
Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por isso, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.

***

PRELÚDIO

Quase todas as parábolas de Jesus giram em torno da idéia do “Reino de Deus” ou “Reino dos Céus”.
Reino é um conceito orgânico, que lembra hierarquia. Num reino há superior e súditos, alguém que orienta e os que seguem sua orientação.
E como, segundo as palavras do Cristo, o Reino de Deus está dentro do homem, deve esse Reino consistir numa hierarquia de valores e de fatos que integram a natureza humana.
O Reino de Deus no homem é o Eu divino da sua alma que governa o ego humano da sua mente, das suas emoções e do seu corpo.
Esse Reino de Deus existe em todo homem; mas, na maior parte, existe em estado dormente, potencial, embrionário; compete ao homem despertar, atualizar, desenvolver esse reino, que o Mestre chama a “luz sob o alqueire”, o “tesouro oculto”, a “pérola preciosa”.
Há no Evangelho algumas dezenas de parábolas que visam esse Reino dos Céus que o homem deve despertar, desenvolver dentro de si e pôr a serviço da vida própria e alheia.
Quem nos conta essas parábolas havia realizado plenamente esse Reino de Deus em si mesmo.
Mas, aos seus ouvintes inexperientes, não podia ele dizer o que, na realidade, era esse Reino; só lhes podia indigitar, através de comparações e analogias, a que era semelhante esse Reino.
O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda... a um fermento... a uma rede de pescar... a uma festa nupcial... a dez virgens... a uma pérola preciosa, etc.
Já aos 12 anos manifestou Jesus um lampejo desse Reino divino. Por ocasião da Páscoa – festa comemorativa do Êxodo do Egito, isto é, da independência nacional de Israel – ficou o menino Jesus 3 dias em silêncio no templo; e, quando sua mãe lhe perguntou pelo motivo desse isolamento, respondeu o menino: “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas que são de meu Pai?” referindo-se à vivência do Reino de Deus em sua alma.
Depois subiu com seus pais a Nazaré, cidade da Galiléia, onde passou 18 anos, até à idade de 30, e “foi crescendo em sabedoria e graça perante Deus e os homens”.
Muitos livros foram escritos sobre esses 18 anos, que os Evangelhos resumem na única frase citada. Escritores fantasiosos inventaram viagens do adolescente para o Egito, para a Índia, para o Tibet. Mas os seus conterrâneos de Nazaré nada sabem dessa suposta ausência do jovem carpinteiro.
Se tivesse estado ausente durante quase dois decênios, os nazarenos teriam tido uma explicação plausível para a grande sabedoria que o jovem profeta revela aos 30 anos.
E, contudo, Jesus fez viagens infinitamente mais longínquas do que ao Egito, à Índia e ao Tibet – viajou através das “muitas moradas que há em casa do Pai celeste”, percorreu as ignotas amplitudes dos Reinos de Deus, não fisicamente, mas em espírito e em verdade.
Podemos imaginar o jovem carpinteiro, depois dos labores diurnos, subir lentamente os montes escarpados que se erguem por detrás da cidadezinha de Nazaré, sentar-se num dos penhascos cinzentos, com o rosto voltado para o ocidente, onde o sol mergulhava nas águas azuis do Mar Mediterrâneo... Horas e horas, lá ficava Jesus, imóvel como uma estátua de granito, enquanto sua alma contemplativa mergulhava nas maravilhas do Universo, não apenas do Universo material, mas sobretudo do Universo espiritual, que só os cosmo-videntes enxergam...
Altas horas da noite, as vezes só pela madrugada, descia o jovem dos montes de Nazaré e voltava para casa. E, enquanto descia lentamente, envolto ainda no invisível halo do Reino de Deus, que contemplara, dizia ele de si para si:
Como vou falar ao povo dessas maravilhas?...
Como fazer-lhe compreender o que é o Reino dos Céus?...
Só balbuciando comparações, alegorias, parábolas primitivas... O Reino dos Céus é semelhante a isto, é semelhante àquilo...
Jesus sorria-se ligeiramente da ingenuidade da sua idéia de falar ao povo de coisas tão transcendentais.
Aos 30 anos, fechou a modesta carpintaria, despediu-se de sua mãe e desceu das alturas da Galiléia. Dirigiu-se rumo sul, à Judéia, a fim de se encontrar com seu primo João, que proclamava o Reino de Deus às margens do Jordão.
Mas, antes de fazer transbordar umas gotinhas da sua plenitude interior, retirou-se Jesus mais uma vez por 40 dias, ao silêncio do deserto, revivendo as suas experiências de Nazaré sobre o Reino dos Céus.
Só depois dessas grandes e profundas experiências resolveu ele falar ao povo sobre o que ele vivera e saboreara interiormente.
Durante os três anos da sua vida pública, refere o Evangelho, passava Jesus noites inteiras no alto dos montes ou na solidão do ermo, em sintonização cósmica com o Infinito.
Dessa profunda e vasta experiência direta do Reino de Deus brotaram as parábolas.
“A vós – diz ele a seus discípulos – vos é dado compreender os mistérios do Reino de Deus, mas ao povo só lhe falo em parábolas”.
Nenhuma das parábolas foi excogitada por Jesus; todas elas foram vividas por ele – e só podem ser compreendidas por nós quando plenamente vividas.

* * *

Toda a parábola consta de dois elementos: o símbolo material e o simbolizado espiritual.
O símbolo material, tirado da natureza ou da sociedade humana, é compreensível a todos; mas a compreensão do simbolizado espiritual depende do estado de evolução de cada um. Quem tem 10 graus de evolução espiritual interpreta a parábola como sendo 10; quem tem 50 graus compreende-a no nível 50; quem tem 100 graus de evolução compreende a parábola no grau 100. Devido a essa ilimitada elasticidade do simbolizado espiritual da parábola, esse modo de ensinar se presta para toda e qualquer classe de homens. Por outro lado, porém, não é possível dar uma explicação definitiva e universalmente válida das parábolas; a sua relatividade admite inúmeras interpretações, proporcionais ao estado de evolução espiritual de cada ouvinte ou leitor.
A explicação que passaremos a dar das seguintes parábolas corresponde ao estado evolutivo do autor, mas pode ser ultrapassada e completada pelo leitor.
Chamamos a atenção para o fato de que as parábolas não visam, em primeiro lugar, uma certa moralidade de agir, mas, acima de tudo, a consciência do Ser. Quando o homem se limita a certa vivencia do agir moral, mas não atinge a realidade do seu Ser metafísico e místico, ontológico, corre ele o perigo de marcar passo na zona superficial de um moralismo convencional, sem atingir a consciência da realidade.
As parábolas nos convidam a um profundo conhecimento metafísico e místico, cujo transbordamento espontâneo se revelará infalivelmente em auto-realização ética. A experiência da mística do “primeiro e maior de todos os mandamentos” se manifestará na vivencia da ética do segundo mandamento.