sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O JOIO NO MEIO DO TRIGO (Mt 13,24 ss.)

TODO HOMEM TEM O DIREITO A REALIZAR-SE ATÉ O FIM DO SEU CICLO EVOLUTIVO

Como outras parábolas, é também esta flagrante paradoxal,se focalizarmos apenas o seu símbolo material. Imagine-se um fazendeiro que semeasse trigo, ou outra semente qualquer, em seu campo, e proibisse os trabalhadores de arrancarem o “mato”, as ervas daninhas que aparecessem no meio da plantação!
Mas, como o principal de uma parábola não é o símbolo material, e sim o simbolizado espiritual, a proibição de arrancar o joio do meio do trigo contém uma filosofia cósmica de grande profundeza e sublimidade.
O campo é o mundo da humanidade.
O trigo são os bons.
O joio são os maus.
Tanto estes como aqueles são o que são, graças ao uso ou abuso do seu livre arbítrio. Deus não fez nenhum homem moralmente bom nem mau; Deus dá a cada um a possibilidade de ele se fazer bom ou mau. Todo homem pode fazer-se melhor ou pior do que Deus o fez. O homem sai das mãos de Deus em estado “neutro”, apenas potencialmente bom e potencialmente mau. Um ser dotado de livre-arbítrio não pode ser creado atualmente bom nem atualmente mau, que seria a negação do livre arbítrio.
Esta neutralidade contém em si a semente, ou potencialidade, para uma creatividade boa ou má; a brotação, ou atualização, dessa dupla potencialidade corre por conta do homem. Onde há livre arbítrio não há automatismo compulsório.
No mundo infra-hominal não existe essa bipolaridade potencial; o mundo mineral, vegetal, animal, se acha num permanente e imutável automatismo; nenhum ser infra-hominal pode tornar-se moralmente bom nem moralmente mau. O livre arbítrio põe o homem numa bifurcação positiva-negativa; o livre arbítrio é o maior privilégio do homem – e também o seu maior perigo. O livre arbítrio entrega ao homem as chaves do céu e do inferno, da luz e das trevas, do ser-bom e do ser-mau.
Deus respeita incondicionalmente o livre arbítrio do homem, tanto para o bem como para o mal. Deus não obriga ninguém a ser bom, e não impede ninguém de ser mau. Jesus não impossibilitou a Judas Iscariotes ser traidor e suicida – nem forçou Madalena a se converter.
Pelo livre arbítrio possui o homem uma creatividade, positiva ou negativa. E é vontade de Deus que o homem desenvolva até o fim este seu poder creador; que tenha plena e permanente liberdade de evolução rumo às alturas, ou então rumo ao abismo.
Ora, se o próprio Deus não impede o homem em sua evolução positiva ou negativa nem extermina nenhum mau por ser mau, como poderia o homem fazer o que Deus não faz? Verdade é que o próprio homem livremente mau pode auto-exterminar-se, se não se tornar bom antes do termo final do seu ciclo evolutivo; mas esse extermínio não deve vir de fora dele.
Tamanha é a insipiência de certos homens que tentam arrancar o joio do meio do trigo para que morram todos os maus e sobrevivam tão-somente os bons – os bons matadores! Segundo essa filosofia, devia a terra ser habitáculo exclusivo dos bons matadores, livre e limpa dos maus matados.
Se é grande a boa vontade desses “bons”, nula é a sua sabedoria.
O Evangelho do Cristo, porém, é a apoteose da suprema sabedoria cósmica; quer um ser-bom por expontânea liberdade, e não um ser-bom por compulsória necessidade. O homem deve ser intrinsecamente bom em virtude de um querer próprio, e não apenas extrinsecamente bom por um querer alheio. O seu ser-bom deve ser fruto dum voluntário querer, e não de um compulsório dever. O homem deve ter todas as possibilidades para ser mau – e, apesar disto, ser bom, livre, liberrimamente bom.
Mas, dirá alguém, neste caso, o mau tem os mesmos direitos que o bom, e, se há igualdade de direitos de parte a parte, que vantagem há em ser bom? Não equivale isto a matar todo o estímulo para ser bom? Não é isto a marte de toda a pedagogia e educação espiritual?
Esta falsa filosofia, através de séculos e milênios, tem tentado exterminar os maus e fazer sobreviver somente os bons; Cruzadas e Inquisições, guerras de religião, ódios sectários, violências de toda a espécie margeiam o caminho do nosso cristianismo de quase 2000 anos, isento da verdadeira sabedoria do Cristo.
Não é verdade que o destino dos bons e dos maus seja o mesmo, embora todos tenham os mesmos direitos de realizar livremente o seu destino.
O destino de uns e outros é diametralmente oposto: vida eterna – ou morte eterna; integração – ou desintegração; realização – ou desrealização.
Os bons se auto-realizam – os maus se auto-desrealizam. Ninguém tem o direito de impedir que alguém se realize pelo bem – ou se desrealize pelo mal.
Mas, perguntará alguém, para que serve então a nossa pedagogia? Se eu não posso fazer o bem a ninguém, para que esse desperdício de esforços educativos e moralizadores?
Verdade é que ninguém pode obrigar alguém a ser bom – mas o educador pode facilitar o seu educando tornar-se bom. O educador não pode condicioná-lo a ser bom, pode mostrar-lhe o caminho, pode remover obstáculos que atravancam o caminho e assim facilitar a passagem a seu educando.
Mas nunca, em hipótese alguma, pode o educador, por melhor que seja, ter a certeza de que os seus esforços convertem o educando. Perante o livre arbítrio alheio, nada é previsível; pode o melhor dos educadores ter zero resultado com o seu educando – assim como Jesus teve zero resultado com Judas.
Em face do livre arbítrio alheio, tudo é possível, nada é impossível, nada é previsível. O livre arbítrio não é uma cadeia de elos onde o elo precedente obrigue o elo subseqüente a mover-se; o livre arbítrio é um elo isolado e autônomo, independente de qualquer causador externo; não é alo-causado – é auto-causante. A única coisa certa que o educador pode e deve fazer é auto-educar a sua própria substancia a tal ponto que nenhuma circunstancia alheia o torne vaidoso, quando o resultado for positivo, nem o torne frustrado, quando o resultado for negativo.
Se um educador, auto-educado, atingir essa libertação total de si mesmo, essa total desescravização de toda e qualquer vaidade complacente em face de sucessos externos, e essa total serenidade em face de insucessos externos – então é ele um poderoso fator para crear auras propícias que facilitem outros homens a serem bons. Um homem assim pleniliberto de qualquer tirania do ego, não derrotado pela vaidade do sucesso, nem pela tristeza do insucesso – esse homem é um gigantesco acumulador de energia espiritual, quer o saiba quer não o saiba. E, como nenhuma energia se perde, e todas as energias se transformam, essas energias espirituais por ele acumuladas irradiam beneficamente e podem ser captadas por outros seres livres, conhecidos ou desconhecidos, próximos ou distantes, presentes ou futuros, no planeta terra ou em alguma longínqua galáxia cósmica – e então esse homem é um grande benfeitor da humanidade telúrica ou de outras humanidades. Esse homem atua por indução, como diríamos em física, atua por transferência de energias invisíveis.
Neste sentido dizia Mahatma Gandhi: “Quando um único homem atingir a plenitude do amor, neutraliza o ódio de muitos milhões”.
“O único modo de fazer bem aos outros é ser bom” (Ramana Maharishi).
A parábola não diz que Deus extermina o joio, os maus, mas estes se exterminam a si mesmos pela não integração na Lei cósmica. Onde impera a onipotência do livre-arbítrio, é possível tanto a integração do indivíduo no Universal como também a sua desintegração, que no Evangelho se chama “morte eterna”. É um dos mais funestos erros tradicionais da nossa teologia afirmar que a alma humana é imortal, quando ela é apenas imortalizável. Nenhuma creatura é imortal; imortal é somente o Creador; as creaturas ou são mortais ou imortalizáveis.
Os que ainda pensam em termos de um Deus pessoal, individual, não se conformarão com esta verdade. Mas o Evangelho do Cristo, como também as grandes filosofias da humanidade, sabem que Deus não é uma entidade individual; Deus é a Lei cósmica universal. Os que voluntariamente se integram nessa lei se imortalizam – os que voluntariamente não se integram nela, se desintegram, ou se auto-exterminam.