sexta-feira, 26 de setembro de 2008

CASA SOBRE ROCHA - CASA SOBRE AREIA (Mt 7,24 ss.)

A SUPREMA SAPIÊNCIA DO HOMEM NÃO ESTÀ EM OUVIR APENAS A VERDADE, MAS EM REALIZÁ-LÁ NA SUA VIDA

Depois de proferir o grandioso manifesto espiritual chamado Sermão do Monte, concluiu o Mestre com a seguinte parábola: “Todo aquele que ouve estas minhas palavras e as realiza, assemelha-se a um homem sábio que edificou sua casa sobre rocha. Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais e deram de rijo contra esta casa – mas ela não caiu, porque estava construída sobre rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as realiza, parece-se com um homem insensato que edificou sua casa sobre areia. Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais, dando de rijo contra esta casa – e ela caiu, e foi grande a sua queda”.
Em resumo: A alma e quintessência de toda sabedoria e felicidade da vida consiste em “realizar” as grandes verdades, e não somente em “ouvi-las”.
Quem apenas ouve, mas não realiza o que ouviu, é um “homem insensato”; quem ouve e realiza é um “homem sábio”.
Quer dizer, a diferença fundamental entre insensatez e sabedoria está em ouvir sem realizar, e por outro lado, em realizar o que se ouviu.
Pergunta-se o que quer dizer “realizar”. Filologicamente falando, realizar quer dizer tornar real o que não era real. A palavra grega que está no Evangelho para indicar esse realizar é o verbo poiéo, que significa “crear”. É também o radical de poesia, poeta, poema. É ainda a mesma palavra que o livro do Gênesis usa quando descreve a creação do mundo (em hebraico: barah), que traduzimos por fazer ou crear (não criar)! O substantivo derivado do verbo poiéo é poiema, e o processo de crear é poiesis; o factor ou realizador desse poiema é o poetés (poeta).
Não se trata, portanto, de transformar algo já existente, dando-lhe apenas uma nova forma; não é pôr “remendo novo em roupa velha”; mas trata-se de um poder creador que realiza algo que antes não era REAL, senão apenas REALIZÁVEL.
O livre arbítrio é uma força creadora; graças a essa creatividade, pode o homem realizar em si o que antes não existia. A ilustração clássica para esta creatividade, para esta poiesis, ou para este poiema, é a parábola dos talentos, onde os dois primeiros servos – os “servos bons e fiéis” – realizaram o dobro do que haviam recebido do seu Senhor; atualizaram a sua potencialidade; realizaram o “pouco” da sua creaturidade no “muito” da sua creatividade – porque foram fiéis no “pouco” da potencialidade foram constituídos sobre o “muito” da atualidade e entraram no gozo de seu Senhor.
Esses servos bons e fiéis, poetas creadores, realizaram o poema cósmico da sua auto-realização pelo poder da creatividade do seu livre arbítrio.
Voltando ao nosso ponto de partida: Jesus faz consistir a suprema sabedoria do homem no fato de ele realizar, pela creatividade do seu livre arbítrio, aquilo que ouviu e compreendeu como sendo a Verdade. O homem auto-realizado é pois, um poeta, um creador, e sua realização é um poema, uma “factura” ou um feito creador.
Como se vê, Jesus não entende por fazer ou realizar, em primeiro lugar, a produção de algo fora do homem, no mundo externo e visível dos objetos circunjacentes; ele se refere, em primeiro lugar, à creação do “alguém” interno, do Eu espiritual, invisível, à realização do sujeito pela conscientização: “Eu e o Pai somos um; as obras que eu faço é o Pai em mim que as faz”.
O homem, que, deste modo, se realiza é um místico dinâmico, um gênio. Um escritor moderno diz que a tarefa principal que o homem tem de realizar aqui na terra é “dar à luz a si mesmo”.
A auto-realização é o que a palavra diz: uma auto-creação, e o homem auto-realizado é um poema. Assim como Deus creou o poema do cosmos sideral, assim pode o homem crear o poema do seu cosmos hominal. O FIAT LUX é creador, não somente no mundo objetivo, mas também no mundo subjetivo: não somente transforma o caos em cosmos, mas também o ego em Eu, o homem ego-cêntrico no homem teo-cêntrico.
Isto é o poiéo creador do homem que sabe e saboreia intimamente a sapiência do Sermão do Monte, realizando-a creativamente em sua Cristo-vivência: “Já não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”.
Esse homem edificou a casa da sua vida sobre a rocha viva da Verdade; a Verdade plenamente vivida gera a Liberdade, e da Liberdade nasce a Felicidade.
De maneira que essas palavras com que o Mestre encerra a sua proclamação do Reino de Deus no homem representam uma síntese de todo o Evangelho.
O homem profano, o homem externo, dá a máxima importância ao seu agir periférico, aos seus atos intermitentes, descuidando-se do seu Ser central, da sua atitude permanente. Edifica a casa da sua vida sobre a movediça areia de ruidosas atividades materiais, sociais e intelectuais; a sua vida se parece em tudo com uma enorme quantidade de grãozinhos de areia, justapostos, desconexos, sem nenhuma coesão interna; toda a sua vida é uma vasta heterogeneidade quantitativa sem nenhuma homogeneidade qualitativa.
A vida do homem cristificado, porém, é como rocha viva, como um bloco monolítico de solidez e coesão homogênea; há nele uma logicidade unitária e rectilínea; há um ideal supremo em sua vida para o qual convergem todas as linhas da sua atividade.
O profano panteão dos ídolos do seu velho ego humano foi transformado no santuário sacral do seu novo Eu divino. A sua consciência mística transbordou em vivência ética. A profunda vertical do seu Ser se espraiou na vasta horizontal de um Agir, e todos os atos vários do seu ego obedecem à atitude única do seu Eu.
O homem que não somente ouviu, mas saboreou e realizou creativamente as palavras da verdade entrou numa nova dimensão de consciência e de vivência – ou melhor, saiu de todas as dimensões e durações de tempo e espaço e entrou na zero-dimensão e na zero-duração do Infinito e do Eterno. Não pôs “remendo novo em roupa velha”, mas fez-se “nova creatura em Cristo”.
E, graças à nova consciência do seu Eu crístico, também se transfiguraram todas as suas vivências no setor do seu ego humano, individual, doméstico, social.
Tal é o poema, a epopéia cósmica do homem que não só ouviu as palavras de Jesus, mas realizou em si o espírito do Cristo.