segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A PÉROLA PRECIOSA (Mt 13, 45 ss.)

QUANDO O HOMEM DESCOBRE O REINO DOS CÉUS, NÃO SE INTERESSA MAIS PELOS REINOS DA TERRA

“o Reino dos Céus é semelhante a um negociante que procurava pérolas preciosas; descobriu uma pérola de grande valor, foi vender tudo que possuía e a comprou”.
As pérolas verdadeiras crescem no interior de certas conchas de moluscos, que vivem nas profundezas de mares tropicais, a pérola é uma secreção solidificada do corpo gelatinoso do molusco. Se não houver lesão alguma no corpo do molusco, não se forma pérola. Enquanto a pérola está encerrada na concha, não manifesta o seu maravilhoso brilho; somente quando exposta à luz solar é que revela o seu esplendor, que é o reflexo dos raios luminosos. Estes raios são de luz branca, ou melhor, incolor. A pérola, porém, reflete todas as cores do arco-iris, em diversas tonalidades opalescentes, devido à consistência peculiar da sua superfície nacarada.
Se o Reino dos Céus é semelhante a uma pérola preciosa, qual o traço de semelhança entre aquele e esta?
A pérola nasce nas profundezas do mar, mas a sua beleza só se revela à luz solar. E não é isto que se dá com o Reino dos Céus? Tem a sua sede nas profundezas da alma humana, e não na superfície da vida externa; mas o seu esplendor só se revela plenamente na luz da vida diária.
Não faz isto lembrar as palavras do Mestre sobre a “luz debaixo do alqueire”, e “a luz no candelabro”? a pérola da experiência mística se revela na vivencia ética; o Ser invisível se manifesta no agir visível.
As palavras de Mahatma Gandhi sobre a “verdade dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro” bem poderiam lembrar a dureza da pérola e a sua beleza.
Para descobrir uma dessas pérolas preciosas, deve o homem mergulhar em tenebrosas e perigosas profundezas – e não é que o homem só encontra o Reino dos Céus em misteriosas profundidades? Quem nunca abandonou as cômodas superfícies do seu ego profano e mergulhou nas ignotas regiões do seu Eu divino; quem nunca abandonou as praias e os litorais de uma vida fácil e se aventurou ao alto-mar da Divindade, nada sabe da pérola preciosa da sua alma.
É estranho que a pérola só se forme depois que o molusco sofreu um ferimento – e quando foi que um homem encontrou a pérola do Reino dos Céus sem ter passado por uma experiência dolorosa? O próprio Cristo-Jesus não pôde entrar em sua glória sem passar pelo sofrimento e pela morte. Enquanto o homem não sofre, identifica-se com o seu ego humano; mas, quando submetido a um grande sofrimento, verifica a diferença entre seu ego humano e o seu Eu divino. O autoconhecimento, base da auto-realização, dificilmente acontece a um homem que não tenha passado por experiências dolorosas. A ilusória identificação do homem com o seu ego e o descobrimento da verdadeira alteridade do seu Eu, é, quase sempre, provocada por um sofrimento, sobretudo metafísico. “Duro te é recalcitrar contra o aguilhão”, dizia a voz misteriosa que Saulo de Tarso ouviu quando tombou às portas de Damasco, “e eu lhe mostrarei quanto terá de sofrer por meu nome”.
Esse mesmo Paulo chega ao ponto de afirmar que “sem efusão de sangue não há redenção”, isto é, sem sofrimento próprio não há cristificação.
A pérola do Reino dos Céus só começa a nascer depois que o homem foi ferido na sua egoidade humana.
Diz a parábola que o homem, depois de encontrar essa pérola preciosa, foi vender tudo o que tinha a fim de adquiri-la. “Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo”. “Quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus”.
Parece que há uma eterna incompatibilidade entre o ter e o Ser, como entre treva e luz, quantidade e qualidade. Antes de atingir a qualidade do seu Ser, corre o homem atrás das quantidades do ter ou dos teres. Mas, depois de descobrir o seu Ser qualitativo, torna-se ele indiferente a seus teres quantitativos. E, quando as circunstancias o obrigam a possuir certos objetos externos, possui-os com estranha leveza e serenidade; não se fanatiza por eles, nem jamais é possuído por aquilo que possui. O homem profano não possui as suas posses; é por elas possuído e possesse. A diferença entre possuidor e possuído é apenas de uma letrinha, o “r” – o “r” da redenção. Quando o possuído passa a ser possuidor não possuído, é ele remido da tirania do possuído e vive na soberania do possuidor.
Quem possui a pérola preciosa do Reino dos Céus, com alegria se despossui de todas as antigas posses, porque o novo possuimento o tornou imensamente feliz. Nada mais valem para ele as mais cobiçadas facticidades dos profanos, depois que se apoderou da Realidade do iniciado.
Quem entrou na posse da pérola preciosa do Reino dos Céus, esquece-se de todos os sacrifícios que fez para adquiri-la. Todos os caminhos estreitos e todas as portas apertadas desapareceram em face do jugo suave e do peso leve de uma felicidade sem limites.