quinta-feira, 2 de outubro de 2008

VISÃO DOS TESOUROS CELESTES PELO OLHO SIMPLES (Mt 6, 19 ss.)

PELO DESPERTAMENTO DA VISÃO ESPIRITUAL ENXERGA O HOMEM A REALIDADE ETERNA

“Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os destroem, onde os ladrões penetram e os roubam. Acumulai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os destroem, onde os ladrões não penetram nem roubam. Pois, onde está o teu tesouro, aí também está o teu coração.
O olho é a luz do teu corpo. Se teu olho for simples, estará em luz todo o teu corpo; se, porém, o teu olho for mau, estará em trevas todo o teu corpo. Ora, se a própria luz em ti se houver tornado em trevas, quão grandes serão essas trevas!
... Não podeis servir a dois senhores: a Deus e às riquezas”.
Nesta parábola frisa o Mestre a insensatez dos profanos, que só pensam em acumular tesouros materiais – e enaltece a sabedoria do homem espiritual, que, acima de tudo, realiza em sua alma tesouros divinos.
Para compreender esta sapiência e aquela insipiência, não se requer nenhuma religiosidade, no sentido usual da palavra, basta o mais comezinho bom-senso e a mais simples lógica. Nunca ninguém levou consigo um único centavo de todos os seus milhões, nem um único átomo de todas as suas propriedades. No ponto zero em que entrou na vida, sairá dela, no tocante a posses materiais, quantitativas. Se não realizou dentro de si posses espirituais, qualitativas, perdeu 50 ou 80 anos de existência, com a agravante de partir daqui com pesados débitos espirituais, débitos com que não entrou na vida terrestre; porquanto o Creador não concede ao homem potencialidades para não serem atualizadas, como se depreende do caso do terceiro servo da parábola dos talentos, que é condenado como “servo mau e preguiçoso” pelo fato de não ter feito funcionar a creatividade que recebera do Creador. E, por não ter aproveitado a sua creatividade, perdeu até a sua creaturidade.
A finalidade do homem, aqui na terra, consiste em realizar as suas faculdades realizáveis, em atualizar as suas potencialidades. A vida terrestre é um período de teste, uma escola de auto-realização. Quem pode deve; e quem pode e deve e não faz crea débito – e todo o débito, gera sofrimento. As leis cósmicas não permitem servos inertes. Quem não realiza pela creatividade os talentos realizáveis, perderá até a sua creaturidade pela extinção da sua individualidade; sucumbe à “morte eterna”. Quem não se realiza se desrealiza. Quem não se integra, se desintegra, é esta a inexorável lógica e matematicidade das leis eternas, que nenhum homem pode burlar impunemente.
Produzir quantidades em tesouros materiais, sem crear qualidade em tesouros imateriais, é ser servo mau e preguiçoso. As quantidades são ilusórias e voltarão ao nada – a qualidade é verdadeira e dura eternamente.
Logo depois de proferir estas palavras sobre os tesouros terrestres e os tesouros celestes, passa Jesus imediatamente a uma comparação enigmática, que parece não ter nexo algum com o precedente: fala do “olho que é a luz do corpo”. Diz que, se esse olho for simples, todo o corpo estará em luz; mas, se esse olho se tornar mau, todo o nosso corpo está em trevas.
O texto não fala de “olhos”, mas de “olho”.
A que olho se refere o Mestre? E porque diz ele que esse olho é simples e é a luz do corpo? E que relação existe entre esse olho simples, esse olho-luz, e o corpo humano? Além disto, que interdependência existe entre esse olho-luz e os tesouros celestes?
Através de quase 20 séculos têm os teólogos discutido essas palavras enigmáticas de Jesus. Muitos tradutores, antigos e modernos, abandonaram o texto inspirado do primeiro século por outros textos de sua invenção. Em vez de “olho” dizem “olhos”; em vez de “simples” dizem “bom” ou “são”.
Bem dizia Paulo de Tarso que “o homem intelectual não compreende as coisas do espírito, que até lhe parecem estultices; nem as pode compreender, porque as coisas espirituais devem ser discernidas espiritualmente.
Os iniciados do Oriente, há milênios, falam de um “terceiro olho”, do chamado “olho de Shiva”, cujo abrimento, segundo eles, facultaria ao homem a clarividência ou cosmo-vidência, uma percepção de realidades não-sensoriais nem intelectuais.
Esse “terceiro olho” está, dizem, atrofiado no homem comum; a hipertrofia da análise intelectual do ego humano atrofiou a visão intuitiva do Eu divino. Mas, através de prolongada e profunda meditação e silenciosa introvidência, dizem eles, pode o homem despertar em si esse “terceiro olho” e ver coisas não visíveis ao homem profano. O estado de êxtase ou samadhi equivale ao abrimento do “olho simples”, do “olho-luz”.
A conseqüência dessa visão cósmica seria a iluminação de todo o corpo, que perderia a sua opacidade e adquiriria uma diafania transparente como cristal.
Pensam alguns que Jesus, no texto acima, se tenha referido a esse olho espiritual, que existe potencialmente em todo o ser humano, mas é atualizado em pouquíssimo.
Pelo abrimento ou despertamento desse “olho-luz” se dá uma grandiosa transformação do homem total. A partir daí, o homem não está mais interessado nos tesouros da terra, mas tão-somente nos tesouros do céu, a sua cosmo-vidência lhe revelou única Realidade, enquanto os outros conhecem tão-somente facticidades ilusórias. Não está mais interessado em servir às riquezas, mas tão-somente ao espírito divino.
É esta a secreta afinidade vigente entre os tesouros celestes e o olho simples focalizada pela parábola.
Dizem os peritos que há uma relação entre a glândula pineal do cérebro e o olho simples, cujo local manifestativo se encontra, segundo os orientais, na base da testa, entre as sobrancelhas.
Ultimamente, alguns cientistas tentaram despertar esse olho dormente por meios técnicos. Aldous Huxley recorreu à mescalina, essência extraída de um fungo mexicano. Outros fizeram experiências com o ácido lisérgico LSD, e outros excitantes e entorpecentes.
Mas o resultado é precário e passageiro, mesmo contraproducente.
O abrimento real e permanente do olho simples exige um treinamento árduo de longo período. Nem pode ser feito por meios artificiais, mas unicamente pelo despertamento total do espírito divino no homem, feito principalmente pela verdadeira meditação.
O Mestre frisa o efeito do olho simples sobre todo o corpo humano, que é totalmente lucificado, permeado de luz.
O despertamento desse olho simples do Eu requer o fechamento dos olhos do ego, dos olhos do corpo, da mente e das emoções. Enquanto estiverem em pleno funcionamento os olhos do ego profano, não pode abrir-se o olho do Eu místico.
Sabemos que todos os verdadeiros iniciados passaram por longos períodos de total silêncio e solidão conscientes – e assim despertaram em si o olho da visão espiritual.
Quando, no primeiro Pentecostes em Jerusalém, 120 pessoas abriram o “olho simples” da alma para a realidade do reino dos céus – qual foi a conseqüência imediata para a sua vida externa?
Refere mestre Lucas, nos “Atos dos Apóstolos” que esses felizes neófitos se despossuíram espontaneamente das suas posses materiais, pondo todos os seus haveres a serviço de todos. Quem descobre o tesouro celeste não se interessa mais pelos pseudo-tesouros terrestres, que São Paulo chama de “lixo”. A consciência do SER desvaloriza todas as ilusões do TER. quando aparece a luz, desaparecem as trevas. Quem abre o olho do espírito fecha os olhos para a matéria.
“Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo”.