sexta-feira, 3 de outubro de 2008

LUZ SOBRE O VELADOR – LUZ SOBRE O CANDELABRO (Mt 5, 15 ss.)

O EU DIVINO É UMA LUZ COBERTA PELO INVÓLUCRO OPACO DO EGO HUMANO

Repetidas vezes, o Mestre compara o homem com a luz.
Verdade é que, no Gênesis, Deus disse ao primeiro homem: “Lembra-te, homem, que és pó, e em pó te hás de tornar”.
Por mais contraditórias que pareçam, à primeira vista, estas duas comparações da Sagrada Escritura – e luz – elas são perfeitamente compatíveis. No Gênesis, Deus se refere ao ego do homem, que acabava de tornar-se pecável – mas, no Evangelho, Jesus se refere ao Eu do homem, que pode ultrapassar todas as misérias humanas e atingir a grandeza divina.
Falando da luz, diz o Mestre: “Eu sou a luz do mundo”, e logo acrescenta: “Vós também sois a luz do mundo”. Ele, o Cristo em Jesus, é a luz do mundo plenamente atualizada, realizada – ao passo que em nós essa mesma luz é ainda luz potencial, em diversos estágios de potencialidade, maior ou menor; uma luz realizável, mas não plenamente realizada.
Mas, o que é essencial é a identidade da luz no Cristo e da luz em nós. Em cada homem, santo ou pecador, está a mesma luz que está no Cristo: é a luz cósmica, como está no original grego, phôs tou Kosmou, a luz do cosmos.
Hermann Keyserling, quando na Índia, escreveu um paralelo genial sobre a pedagogia de certos livros devocionais cristãos, inclusive a “Imitação de Cristo”, e a Bhagavad Gita: Certos livros devocionais tentam melhorar o homem, fazendo-lhe ver a sua miséria, dizendo que ele é um verme, uma peste, um nada – ao passo que outros convidam o homem a ser perfeito apelando para a sua grandeza latente, que pode vir a ser uma grandeza manifesta. O filósofo germânico frisa a superioridade da pedagogia da Bhagavad Gita sobre a de certos devocionários cristãos.
De fato, nenhum homem é estimulado para o bem pelo fato de se convencer da sua essencial maldade; mas, se o homem sabe que, no seu ser divino, ele é essencialmente bom e belo como a luz, tem vontade de se tornar também existencialmente no seu ego humano o que já é no seu Eu divino.
Mas, se o homem se convence de que é essencialmente mau e feio como o pó, jamais se tornará existencialmente bom e belo como a luz.
A Sagrada Escritura, dizendo ao ego humano que ele é pó, não nega que no seu Eu divino é luz.
Ninguém se torna existencialmente o que não é essencialmente.
Quando o Mestre disse: “Vós sois a luz do mundo”, deu a seus discípulos e a todos nós o mais poderoso incentivo para nos tornarmos realmente bons.
Quem não compreende essa linguagem dirá que dizer ao homem que ele é bom e belo como a luz é levá-lo à presunção e ao orgulho, como já me foi dito em uma aula sobre esse texto. Se esse paralelo com a luz se referisse ao ego do homem, poderia o objiciente ter razão; mas nenhum homem é luz no seu ego humano; todo o homem é luz no seu Eu divino.
Por isto, disse muito bem o Mestre que a nossa luz ainda está debaixo do velador envolta pela camada opaca do nosso ego; mas não identificou a nossa luz divina com esse invólucro humano. Convidou-nos a tirar de cima da luz esse obstáculo grosseiro e colocá-la no alto do candelabro.
A luz sobre o candelabro é a mesma que a luz sob o velador; a identidade interna é perfeita. Diferentes são apenas as circunstâncias externas.
Em face disto, poderia alguém pensar que o invólucro opaco do velador seja o nosso corpo, e que, destruindo o corpo, a luz da alma brilharia em todo o seu fulgor no alto do candelabro.
Assim, de fato, pensou um jovem de 17 anos, cuja tragédia contei no meu livro Luzes e Sombras da Alvorada: suicidou-se para estar mais perto de Jesus.
Entretanto, não é nosso corpo esse obstáculo que não deixa a luz brilhar em todo o seu esplendor. O grande impedimento é a nossa mente, o nosso ego mental, que sempre de novo tenta identificar o Eu divino da alma com algum ego humano, corpo, intelecto, desejos.
O velador opaco é a nossa mente, que sempre mente – sagazmente.
Quando o homem consegue conscientizar definitivamente “Eu e o Pai somos um, o Pai está em mim, e eu estou no Pai”, e se ele vive de acordo com esta consciência – então tirou o velador opaco de cima da sua luz e colocou a luz da sua alma no candelabro da sua consciência espiritual.
E então a sua vivência ética está em harmonia com a sua consciência mística.
O primeiro passo para essa gloriosa epopéia cósmica é o que hoje em dia chamamos auto-conhecimento, que cedo ou tarde, transbordará em auto-realização.
Na mensagem do Cristo, esse processo se chama o “primeiro mandamento” do amor a Deus, e o “segundo mandamento” do amor ao próximo.
E o Mestre conclui que, nesses dois mandamentos, da mística divina e da ética humana, “estão toda a lei e os profetas”, está toda a vida externa e interna do Homem Integral, do Homem Cósmico, do Homem Crístico.
Quem tira a sua luz de sob o invólucro opaco de sua ego-consciência e a põe no candelabro da sua Cristo-consciência, realiza a razão-de-ser da sua existência terrestre.
Esse processo é chamado pelos Mestres espirituais “egocídio”, a morte voluntária do ego ilusório, e o nascimento do Eu verdadeiro.
O divino Mestre resume toda esta verdade nas seguintes palavras lapidares: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
E, quando a luz de nosso Eu divino for colocada no alto do candelabro da nossa consciência espiritual, iluminará e beneficiará também os habitantes da casa do nosso ego humano; pois, embora o nosso ego humano seja inimigo do nosso Eu divino, contudo o nosso Eu divino é sempre o melhor amigo do nosso ego humano.
Realizar o Eu divino da nossa alma é o único modo real para fazer bem ao nosso ego humano – e também aos outros egos. Ser realmente bom é o único processo de fazer bem a nós mesmos e aos outros.
“A luz brilha nas trevas – mas as trevas não a prenderam”.
Por isto conclui o Mestre: “Fazei brilhar a vossa luz perante os homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”.
Não manda ocultar a luz que irradia da nossa mística divina, mas sim espargi-la em derredor, em forma de ética humana, não para que os homens louvem a nós, mas glorifiquem a luz divina que tão magníficos raios difundiu.
O homem profano espera louvor para seus canais humanos.
O místico oculta na solidão a fonte divina que descobriu.
O homem cósmico canaliza as águas vivas da fonte divina, para que todos os que dela beberem glorifiquem jubilosamente a fonte.
A parábola da luz sob o velador e sobre o candelabro é a mais alta sabedoria do auto-conhecimento e da auto-realização do homem.