quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A PARÁBOLA DRAMATIZADA DO PÃO E DO VINHO (Mt 26, 28 ss; Mc 14, 22 ss; Lc 22, 18 ss)

PELA FÉ ASSIMILA A ALMA O CRISTO DIVINO

Na última ceia dramatizou Jesus a mais misteriosa de todas as suas parábolas.
Até hoje, quase 2000 anos depois, a cristandade não compreendeu devidamente a parábola do pão e do vinho.
Já na Sinagoga de Cafarnaun, como consta no capítulo 6 do Evangelho de João, havia o Mestre aludido a esse misterioso paralelo: A relação entre o alimento e a vida, por um lado – e, por outro, a pessoa física do Jesus humano e o espírito do Cristo divino.
Através de uma parábola esotérica faz Jesus ver que a essência vitalizante do espírito do Cristo só pode ser assimilada pela alma humana por meio da fé.
Que se entende por fé?
A palavra latina fides é o radical de fidelidade, alta fidelidade, harmonia, sintonia. Este substantivo latino não tem verbo; de maneira que a Vulgata Latina recorreu a um verbo de outro radical, credere, crer, em vez de “ter fé”, e com isto começou a tragédia milenar da cristandade. Crer, no sentido usual, nada tem que ver com ter fé. O substantivo grego pistis, que figura no original do Evangelho do 1º século, tem o verbo pisteuein, que poderíamos traduzir por fidelizar.
Pisteuein, fidelizar, ter fé, quer dizer, estabelecer perfeita fidelidade entre a alma humana e o espírito de Deus. O conhecido tópico “quem crer será salvo” é um absurdo; mas “quem tiver fé (fidelidade) será salvo” é perfeitamente lógico.
Quando o homem, no plano físico, vitaliza o seu corpo pelo alimento, não transfere ele para seu organismo a substância material que ingere, mas, pelo misterioso processo da digestão e assimilação, extrai da substância material da comida as “calorias”, como a ciência chama essa alma imaterial da matéria. Caloria é a energia solar que, pela fotossíntese foi armazenada na substância comestível, e que, pela digestão, é extraída do alimento e transferida para o organismo humano.
Caloria, a energia do calor e da luz solar – que também poderíamos chamar “luceria” – é algo relacionado com a vida. Essa energia solar vitaliza o corpo e lhe dá força, beleza, alegria. Se o organismo não tivesse fidelidade vital (fides, fé) com a energia solar, não poderia assimilar essa vibração do sol. Um corpo morto embora exposto à energia solar, não a assimila; somente um corpo vivo é capaz de assimilar a energia solar; só ele tem fides, afinidade com o sol; só um corpo vivo fideliza, é fiel à alma solar; só ele é vitalizado pelo calor e pela luz do sol.
Segundo Einstein, luz é energia descondensada, e energia é matéria descongelada.
Vida é luz altamente potencializada, vida é luz vitalizada, e, por esta razão não pode a vida assimilar a matéria grosseira como tal, mas somente a alma cósmica da matéria, que é luz, luceria ou caloria imaterial.
Homens altamente intuitivos sabiam, e sabem, por uma visão interna, o que outros procuram descobrir através de laboriosas análises intelectuais. Antecipam verdades que a ciência descobre séculos e milênios mais tarde. Cerca de 3500 anos antes de Einstein, escreveu Moisés que, no primeiro yom, creou Deus a luz, e que da luz vieram todas as outras coisas. Só no século 20 provou Einstein que a luz é a base dos 92 elementos da química e de todas as coisas.

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A julgar pelos relatos do Evangelho, era Jesus de Nazaré o homem mais intuitivo que a história conhece. Ele sabia, por uma visão interna, verdades que os cientistas descobrem (ou deixam de descobrir) milênios mais tarde.
Todo o paralelo entre o Jesus humano e o Cristo divino se baseia nessa intuição. Assim como a substância material dum alimento não pode ser assimilada pelo corpo humano, se a sua parte material não for primeiro destruída pela trituração e digestão – assim o espírito do Cristo não pode ser assimilado pela alma na forma da pessoa física do Jesus humano. Ninguém pode assimilar o Jesus humano. Por isto, insiste ele em dizer “as palavras que vos digo são espírito, são vida – a carne de nada vale”. Por isto afirma ele a seus discípulos: “Convém a vós que eu me vá (seja destruído), porque, se não for, o espírito da Verdade não pode vir a vós”.
Somente um Jesus cristificado é que pode servir de alimento vitalizante às almas humanas, como aconteceu na gloriosa manhã do Pentecostes, quando 120 pessoas, homens e mulheres, como refere mestre Lucas nos “Atos dos Apóstolos”, foram vitalizados pelo espírito do Cristo cósmico, chamado Espírito Santo. Quando, após 9 dias de “oração permanente”, essas 120 pessoas atingiram o máximo da sua sintonização crística, da sua fides, ou alta fidelidade, então assimilaram eles o espírito do Cristo. Durante os três anos precedentes, nenhum dos discípulos de Jesus assimilara o espírito do Cristo, porque eles só viam a pessoa humana de Jesus, do qual esperavam a proclamação da independência nacional de Israel. Somente após 9 dias de sintonização cósmica, no cenáculo de Jerusalém, crearam eles suficiente fidelidade ou sintonização para sentir a presença do Cristo espiritual; mesmo na ausência do Jesus material, sentiram e viveram a metafísica para além da física.
Essa manhã de domingo, do ano 33, no décimo dia após a ascensão, marca o início do verdadeiro Cristianismo, o despertamento do Cristo nas almas de seus discípulos.
Já um ano antes, como refere João no seu Evangelho, capítulo 6, na Sinagoga de Cafarnaun, retificara Jesus o equívoco dos ouvintes de que devessem comer a carne dele. A esse equívoco respondeu o Mestre: “As palavras que vos digo são espírito e vida, a carne de nada vale”, por sinal que toda a referência à “carne” dele, como alimento, é uma alegoria simbólica. É pela fé no Cristo, espírito e vida, que o homem comunga o seu corpo e sangue, como revelou o grandioso acontecimento de Pentecostes, onde 120 pessoas, homens e mulheres, depois de 9 dias de meditação e silêncio, comungaram o Cristo carismático.
Em quase 2000 anos, as igrejas cristãs não foram capazes de vislumbrar esta grande verdade, ainda que cristãos individuais a tenham vivido em todos os séculos. As igrejas – quiçá por motivos humanos – se agarraram ao símbolo material do pão e do vinho, do corpo e do sangue do Jesus humano, e não compreenderam o simbolizado espiritual do Cristo divino. Os teólogos excogitaram o dogma da transubstanciação do pão e do vinho no corpo e sangue de Jesus – como se o corpo e o sangue do Jesus humano, fisicamente ingeridos pelo comungante, pudessem espiritualizar a alma.
Para assimilar o espírito do Cristo não é necessária nenhuma ingestão física, mas sim a sintonização metafísica, a fides, ou alta fidelidade, entre a alma humana e o espírito do Cristo. Aliás, dos 120 cristificados, presentes na manhã do primeiro Pentecostes, apenas 11 haviam ingerido o pão e o vinho na Santa Ceia; os outros 109 comungaram o Cristo espiritual na ausência do Jesus material ou seus símbolos. E todos esses 120 Cristo-comungantes foram as primícias do verdadeiro Cristianismo.
Nenhum deles traiu o Mestre, nenhum deles o negou, nenhum deles fugiu covardemente; pelo contrário, diz o livro dos “Atos”, quando foram flagelados em praça pública pelo fato de anunciarem o Cristo, retiraram-se exultando de júbilo por terem sido achados dignos de sofrerem por amor ao Cristo.
Haviam comungado o Cristo Carismático, em espírito e verdade.

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Vai nesta parábola, embora veladamente, outro aspecto: não pode o nosso ego humano conscientizar o Eu divino, se aquele não for devidamente desintegrado, assim como o alimento só se integra na vida do corpo depois de ser desintegrado.
“Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril, mas, se morrer produzirá muito fruto”.
“Eu morro todos os dias, e é por isto que eu vivo, mas já não sou eu que vivo, o Cristo é que vive em mim”.
A rainha das parábolas de Jesus é, sem dúvida, esta, embora o grosso da cristandade não esteja ainda em condições de compreendê-la.
Possivelmente, daqui a mais 20 séculos, lá pelo ano 4000, a cristandade compreenderá a mística desta parábola do pão e do vinho.
Por ora, a cristandade terá de contentar-se com o corpo do símbolo material, sem compreender a alma do simbolizado espiritual.
Por ora, o corpo exotérico da Santa Ceia eclipsa a alma esotérica do Pentecostes.
Por ora, teremos de repetir isto “em memória de Jesus”, “até que o Cristo venha”, como Paulo de Tarso escreve aos cristãos do primeiro século.
Mas, após a vinda do Cristo divino, pela comunhão carismática, cessará o símbolo da comunhão eucarística do Jesus humano.
E então compreenderemos o que o Mestre quis dizer com as palavras finais da Santa Ceia: “Não mais beberei deste fruto da videira até o dia em que convosco o beber, novo, no Reino de meu Pai”.
Maran-atha!
Vem, Senhor!

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Em síntese elucidativa:
Após a suposta primeira missa, ordenação sacerdotal e primeira comunhão, os doze apóstolos de Jesus cometeram os atos mais vergonhosos e anticrísticos da sua vida: um deles consumou a planejada traição, o diabo entrou nele e ele se suicidou; outro neo-sacerdote e neo-comungante, que parecia o chefe da turma, negou descaradamente o Mestre, jurou que não era discípulo dele e rogou pragas sobre si; e todos esses supostos neo-sacerdotes e neo-comungantes fugiram covardemente, com medo do sofrimento, à exceção de um só.
E, o que é totalmente incompreensível, Jesus, depois da ressurreição, não estranhou esse vergonhoso procedimento dos seus discípulos, nem os repreendeu por isto – por sinal que nenhum efeito espiritual esperava dessa suposta primeira missa, ordenação sacerdotal e primeira comunhão.
A mais comezinha lógica nos obriga a não aceitarmos o que uma teologia quase bimilenar impingiu à cristandade como sendo a verdade do Evangelho.
Não houve, no cenáculo da quinta-feira santa, nenhuma primeira missa de Jesus, não houve ordenação sacerdotal, não houve transubstanciação do pão e do vinho, não houve primeira comunhão dos apóstolos.
O que ocorreu foi uma parábola dramatizada, cujo simbolizado espiritual se cumpriu na gloriosa manhã do Pentecostes, quando 120 pessoas, homens e mulheres, como refere Lucas nos “Atos dos Apóstolos”, comungaram realmente o Cristo Carismático, em espírito e verdade.

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A explicação que acabamos de dar dos eventos da Santa Ceia em forma de parábolas, é indubitavelmente exata. Se assim não fosse, se os doze discípulos de Jesus tivessem sido ordenados sacerdotes e comungado realmente a carne e o sangue de Jesus, seria absolutamente incompreensível, repetimos, o que aconteceu logo depois dessa suposta ordenação sacerdotal e primeira comunhão: traição, suicídio, negação, juramento falso, blasfêmia, fuga covarde dos apóstolos – um caos de paradoxos e um inferno de pecados...
E tudo isto, sem que Jesus estranhasse com uma só palavra esse efeito flagrantemente negativo e contra-producente em seus discípulos...
É, pois, fora de qualquer dúvida que não houve nenhuma comunhão no cenáculo da quinta-feira santa.
Mas, como então justificar a interpretação tradicional de certa teologia?
Essa teologia tradicional é, mais ou menos, compreensível em face duma humanidade incapaz de compreender o simbolizado espiritual de uma parábola profundamente metafísica e mística. A cristandade dos primeiros séculos era, quase totalmente, composta de escravos do Império Romano e de povos bárbaros – godos, vândalos, hunos, etc. – que invadiram o decadente Império dos Césares, povos, mental e espiritualmente analfabetos, dos quais não se podia esperar compreensão, mas de que se devia exigir obediência a seus chefes espirituais. Uma ingênua pedagogia infantil era, para esses neófitos, mil vezes mais importante do que a grandiosa metafísica da verdade do Evangelho.
Se a mensagem de Jesus tivesse sido difundida, de início, pelos países do Oriente – Índia, China, Japão, etc. – de avançada cultura metafísica e espiritual, completamente diferente teria sido o destino histórico e teológico do nosso cristianismo.
Em nenhum dos países orientais existe, até hoje, segundo estatística oficial, 1% (um por cento) de cristãos, a despeito de séculos de trabalhos missionários. Fala por todo o Oriente Mahatma Gandhi, que dizia aos missionários cristãos que tentavam convertê-lo ao nosso cristianismo: “Aceito o Cristo e seu Evangelho – não aceito o vosso cristianismo”.
Fala ainda, em nome do Ocidente cristão, Albert Schweitzer, quando escreve: “Nós injetamos nos homens o soro da nossa teologia, e quem é vacinado com o soro da teologia cristã está imunizado contra o espírito do Cristo”.
É que o nosso cristianismo teológico foi, desde o princípio, padronizado para uma humanidade espiritualmente infantil – e, estranhamente, até hoje não ultrapassou ainda esse padrão primitivo. Para certa igreja cristã, o maior teólogo é Tomás de Aquino, que codificou quase toda a teologia tradicional do Ocidente; mas esse mesmo teólogo, depois de escrever a Summa Theologiae e a Summa Contra Gentiles, teve uma visão ou revelação, depois da qual nunca mais escreveu uma palavra, e, interrogado pelo motivo desse silêncio, respondeu: “Tudo que escrevi é palha”.
(Em face da gravidade do assunto, Huberto Rohden consultou diversos sacerdotes, inclusive um erudito jesuíta e um escritor dominicano, sobre a autenticidade desta confissão do grande teólogo, e todos afirmaram que essas palavras de Tomás de Aquino são perfeitamente autênticas).
Entretanto, essa “palha” continua a ser o alimento de centenas de milhões de cristãos como sendo verdade divinamente revelada. Possivelmente, o “príncipe da teologia medieval”, se reaparecesse, aplaudiria a explicação que estamos dando dos eventos da Santa Ceia.
A comunhão do Cristo Carismático, ocorrida na gloriosa manhã do primeiro Pentecostes em Jerusalém, é perfeitamente aceitável para qualquer homem, ao passo que a suposta comunhão eucarística do corpo e sangue de Jesus, na Santa Ceia não será jamais aceita por nenhum homem sinceramente espiritual.
Não afirmamos que os teólogos tenham agido de má fé. A cristandade dos primeiros séculos, depois de sair das catacumbas, necessitava, repetimos, mais de uma pedagogia teológica do que uma metafísica crística – mas não se compreende porque essa pedagogia primitiva seja mantida em plena adultez da cristandade do século 20. porque não dizer à cristandade do nosso século o que o principal codificador dessa pedagogia teológica confessou explicitamente: que tudo que escreveu é palha?
Não disse o Mestre: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”?
Hoje, no ocaso do Segundo Milênio da Era Cristã, e quase na alvorada do Terceiro Milênio, a elite espiritual da humanidade espera que lhe seja proclamada a verdade libertadora da mensagem do Cristo. Se, segundo as palavras de Paulo de Tarso, é necessário dar leite aos infantes em Cristo, por que não dar aos adultos em Cristo comida sólida?
O simbolizado espiritual da parábola do pão e do vinho eclodiu na gloriosa manhã do primeiro Pentecostes, quando 120 heróis e heroínas comungaram o espírito do Cristo Carismático e iniciaram a epopéia do verdadeiro cristianismo.
Essa iniciação crística se deu no ano 33, após 9 dias de silêncio e interiorização espiritual, no cenáculo de Jerusalém, que pode ser considerado como o primeiro ashram ou Santuário de Iniciação da Cristandade.
Se a humanidade do Terceiro Milênio quiser realizar a mensagem do Cristo, terá de encontrar o seu Cristo interno em profunda meditação e comungar o Cristo Carismático em espírito e em verdade – e então será proclamado o Reino de Deus sobre a face da terra e haverá um novo céu e uma nova terra.

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Ainda uma pergunta final, para um sincero exame de consciência: Teriam os nossos teólogos sustentado, através de séculos, o dogma da transubstanciação eucarística, se esse suposto milagre não fosse monopólio exclusivo deles e a base de todo o seu poder e prestígio? Não teriam eles concordado com Tomás de Aquino, o maior defensor da transubstanciação, confessando: “Tudo que escrevemos é palha”?