quarta-feira, 29 de outubro de 2008

“VÓS SOIS A LUZ DO MUNDO”

O que a ciência analítica de Einstein provou no século XX, isto já sabia a sapiência intuitiva de Moisés quinze séculos antes de Cristo. Logo no princípio do Gênese, diz Moisés que, no primeiro yom (período), Deus creou a luz, não a luz do sol e das estrelas, que, segundo ele, apareceram só no quarto período. Moisés fala da luz cósmica, invisível, da qual nasceram as luzes focalizadas no sol, nas estrelas e nas outras unidades siderais.
Seja nas páginas do Gênesis, escritas cerca de 3.500 anos antes do nosso tempo, seja em pleno século XX, na era atômica, os sapientes e os cientes afirmam que a luz é o alfa e o ômega de todas as coisas finitas – o alfa, porque tudo é lucigênito, o ômega, porque tudo é lucificável.
O Cristo cósmico afirma que ele é a luz do cosmos, não no sentido físico, mas na visão metafísica; “antes que o mundo existisse, eu sou”, diz ele na sua oração de despedida, na santa ceia.
E afirma que todo homem é essencialmente essa mesma luz cósmica, embora em nós essa luz esteja ainda oculta debaixo do alqueire da nossa opaca egoidade, e nele já estava manifesta, brilhando no alto do candelabro da sua consciência espiritual. Quando ele diz: “Eu e o Pai somos um, o Pai está em mim”, logo acrescenta: “O Pai também está em vós”; e quando afirma: “Eu sou a luz do mundo”, logo completa: “vós também sois a luz do mundo”.
Certos teólogos, ainda emaranhados na ilusão do seu exoterismo, não admitem que nós sejamos da mesma substância essencial que o Cristo, da substância divina do Pai; querem que o Cristo seja “gerado”, nascido da consubstancialidade homogênea da Divindade, e que nós sejamos “feitos” da diversidade heterogênea, não nascidos de Deus, mas manufaturados por ele.
Mas essa teologia contradiz frontalmente ao Evangelho e às palavras explícitas do Cristo. Contradiz até às palavras que Paulo de Tarso disse aos filósofos atenienses, nas alturas do Areópago: “Nós somos de estirpe divina”.
Não há nenhum panteísmo blasfemo nessa concepção da substancialidade crística de todos os homens. A homogeneidade consubstancial não se refere à nossa existência finita, mas tão somente à nossa essência infinita. Em nossa finitude hominal todos nós somos infinitamente inferiores à Divindade, e, quando caímos em erros e pecados, não é Deus que erra ou peca, é apenas o nosso pobre ego humano, que não é igual a Deus.
A nossa tarefa, aqui na terra, consiste precisamente em fazer do nosso ego humano existencial uma perfeita imagem e semelhança do nosso Eu divino essencial. Assim como o Eu divino do Cristo fez do ego humano do seu Jesus um perfeito veículo do seu Cristo cósmico, assim deve todo Eu crístico do homem transformar o seu ego humano num perfeito veículo e agente dócil do seu Verbo, que se fez carne em cada um de nós.
“Toda alma humana – escreve Tertuliano no segundo século – é crística por sua própria natureza”.
A nossa missão aqui na terra é revelar através do prisma da nossa humanidade a cristicidade da luz divina.
A nossa personalidade humana pode servir de impedimento opaco e opor-se à penetração da luz divina – mas pode também servir de prisma triangular para difundir beneficamente a luz incolor do Cristo na maravilhosa faixa multicor da nossa humanidade. O nosso prisma triangular – alma, mente e corpo – pode fazer da luz incolor do Verbo uma epopéia de belezas, em vez de funcionar como interceptor opaco da luz divina.
Difusor transparente de belezas multicores – e não interceptor opaco da luz divina.

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Onde não há luz não há vida, beleza, alegria.
Se Deus, segundo Aristóteles, é actus purus, pura atividade ou vibração espiritual, então a creatura deve ser tanto mais divina quanto mais se aproximar do actus purus.
O profano entende por atividade “movimento”, correria, agitação. Na verdade, porém, a atividade é precisamente o contrário do movimento. Uma roda em movimento giratório que recebe sua força do eixo, tem toda a força no centro, ao passo que tanto menor é a força quanto mais distante do eixo central e quanto mais próximo da periferia. Força e movimento estão em sentido oposto. Força é atividade – movimento é passividade. A força , o movimento recebe. Luz é o máximo de vibração, atividade.
Quando o homem atinge o zênite da sua força e atividade, torna-se cada vez mais tranqüilo, mais quieto, mais centralizado, e por isto mais eficiente. Eficiência é força, e não movimento; 10% de força vale mais que 90% de movimento. A luz é a maior força do Universo, embora pareça ser a coisa mais fraca. A essência da dinamite, das águas, da eletricidade, do vento, é a luz. Nestes últimos anos a nossa ciência e técnica descobriram que o último reduto da força é o átomo, ou melhor, o núcleo atômico, que se chama próton.
Próton é a palavra grega para “primeiro”; a primeira e a maior das forças é o próton, que é a alma invisível do átomo e, portanto, de todas as coisas da natureza.
Antigamente, força eram músculos de animais, camelos, elefantes, bois, búfalos, cavalos, etc. Força era também a água, o vento; mais tarde força era vapor d’água, que acionava locomotivas. Desde o século passado, força é eletricidade, que parecia ser fraqueza.
Finalmente, força é esta aparente imobilidade invisível do átomo e, ultimamente, essa entidade que nunca ninguém viu, do núcleo atômico, o próton. Hoje, o homem se convenceu que força é aparente fraqueza e imobilidade.

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No microcosmo humano, o próton ou núcleo é o seu Eu, que é a fonte de todas as suas forças e o centro imóvel de todas as periferias móveis; é o ponto fixo; é o átomo indivisível, o “indivíduo”, indiviso em si e indiviso, não dividido, da alma do Universo.
Quando o Nazareno disse que o homem é luz cósmica como ele mesmo, enunciou o ponto culminante de toda sapiência dos séculos e milênios.
Teilhard de Chardin falou do “alfa e ômega” do homem; escreveu um livro sobre O Fenômeno Humano, que vai da hilosfera através da biosfera, e hoje chegou até à noosfera, em demanda da logosfera, que é o Logos, o Verbo, o Cristo cósmico, a Luz do mundo.
Mas, através de toda essa jornada multimilenar – através da hyle (matéria), da bios (vida), do noos (inteligência) rumo ao Logos (razão), é o homem guiado, luci-guiado, consciente ou inconscientemente, pela luz cósmica do seu Cristo interno.
Dizem e escrevem certos ignorantes, sobretudo os ignorantes eruditos, que o homem veio da matéria, do animal – e ignoram a sua própria ignorância. Pois, segundo a mais comezinha lógica e matemática, o menos não pode produzir o mais, o inferior não produz o superior. Esses homens confundem fonte com canal, causa com condição. Possivelmente, o corpo humano tenha fluído através de veículos materiais, mas, em hipótese alguma, veio desses canais; o homem veio da mesma e única fonte infinita da qual derivaram todas as águas das coisas finitas. Podem os finitos fluir através de outros finitos, mas não podem vir de outros finitos. Podem os finitos funcionar como potencialidades (canais), mas não podem ser potência (fonte).
Assim como todos os 92 elementos da química, dos quais vêm todas as coisas, vieram da luz, como a ciência provou – assim vieram todas as coisas finitas do Infinito, como a sapiência sabe e intui desde o princípio da humanidade.
A luz da essência humana veio da Luz da Essência Divina. O próprio Cristo, que é a luz do mundo já plenamente realizada, afirma que também ele veio da Luz Infinita que ele chama o Pai: “Eu e o Pai somos um, mas o Pai é maior do que eu”. Ele o Cristo cósmico, é o canal-mestre, que veio da fonte do Pai; e nós somos como que canais secundários ligados ao canal-mestre dele. Por isso diz ele: “Ninguém vai ao Pai a não ser por mim; eu sou o caminho, a verdade e a vida, quem me segue não anda em trevas, mas tem a luz da vida”.

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Onde não há luz, como já dissemos, não há vida, beleza, alegria. Sem a luz tudo é morto, feio, triste.
O que os profanos chamam vida, beleza e alegria é como luz pintada numa tela de museu, mas não é luz verdadeira e autêntica. Todos sabem que a mais perfeita luz pintada não ilumina nem aquece; é uma pseudo-luz ilusória, fictícia. Um incêndio na tela não fornece luz nem calor como um simples fósforo. A diferença entre luz natural e luz artificial, entre luz verdadeira e luz pintada, não é questão de quantidade, mas de qualidade.
Com a pequena chama de um fósforo podemos incendiar uma floresta inteira, e iniciar a iluminação da maior cidade do mundo – mas com uma luz artificial pintada não podemos iluminar uma sala, nem sequer aquecer um cafezinho.
Quando a pequena chama de um fósforo encontra combustível suficiente, inicia uma “reação em cadeia” de caráter molecular, e enquanto houver combustível, o fogo não se apaga.
O mesmo se dá no mundo metafísico, onde a “reação em cadeia” é sem limites: basta que apareça um homem-luz, um homem-fogo, e a iluminação e o incêndio metafísico se propagam irresistivelmente. Há quase dois mil anos que apareceu um homem dessa natureza, de luz e fogo, que disse: “Eu sou a luz do mundo”, “Eu vim para lançar fogo à terra, e que quero eu senão que arda?” – e a quase dois mil anos muitos homens foram iluminados e ignificados por esse gigantesco incêndio.
Basta que alguém se torne combustível idôneo, para ser iluminado e incendiado por essa gigantesca conflagração Cristo-cósmica. Dá-se então uma “reação em cadeia”, um contágio de luz e fogo, quando um homem crea em si a necessária receptividade luci-ígnea.

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O profano está como que na escuridão ou sombra espessa, porque se acha por detrás de uma muralha opaca, que se ergue entre ele e a luz; vive nessa escuridão e nada sabe da luz.
O místico chegou a saber que há luz do outro lado da muralha opaca, e, desejoso da luz, resolveu derrubar essa muralha, que é o mundo material e do qual faz parte o seu próprio corpo e todas as coisas do ego.
O homem cósmico, porém, descobriu uma terceira alternativa: não está por detrás de nenhuma muralha opaca, nem derrubou esse muro, mas, de tão iluminado e lucificado, tornou esse muro transparente. O homem cósmico despertou em si tamanho poder de sabedoria que conseguiu diafanizar a muralha divisória entre si e a luz; fez da muralha opaca um prisma cristalino, através do qual penetra a luz incolor e aparece nas maravilhas das cores do arco-íris, embelezando todas as coisas da sua vida. Mas, para lucificar a muralha divisória das coisas mundanas, deve ele mesmo ter intensificado ao máximo a sua lucificação.
A luz incolor é una.
O prisma tem três faces.
E o resultado do uno e do três são as sete cores do arco-íris.
A alma, a mente e o corpo – esse prisma triangular – quando se tornam perfeitamente transparentes, podem transformar a luz branca do Cristo na maravilha multicor – como aconteceu com Jesus de Nazaré, através do qual se manifestou o Cristo cósmico – e a personalidade do Nazareno apareceu “cheia de graça e de verdade”.
Quando o Verbo do nosso Eu crístico se encarna na pessoa humana pela geração e pelo nascimento, pode o ego humano eclipsar a luz do Eu divino – mas pode também fazer do ego a mais bela creatura de Deus.
Quando a personalidade humana do Nazareno foi penetrada pela luz do mundo, ficou esta terra embelezada pelos esplendores de Jesus de Nazaré, “de cuja plenitude todos nós recebemos, graça sobre graça”.